domingo, junho 16, 2013

Verão quente


Quando o cardo floresce e a sonora cigarra,
pousada na árvore, espalha o melodioso canto,
pela fricção das asas, na penosa estação do calor
nessa altura são mais gordas as cabras e o vinho melhor,
mais ardentes as mulheres e moles os homens;
Sírius abrasa-lhes a cabeça e os joelhos,
fica-lhes ressequida a pele pelo calor. É tempo então
de gozar a sombra de uma rocha, o vinho biblino,
um pão quente de qualidade, leite de cabra que já não amamenta,
carne de vitela apascentada nos bosques, que ainda não pariu,
e de cabritos tenros. Bebe então o vinho rubro,
sentado à sombra, saciado o coração com o festim,
o rosto voltado de frente para a frescura do Zéfiro;
e de uma fonte que corre perene e límpida,
deita três partes de água e a quarta de vinho.
Ordena aos escravos que o trigo sagrado de Deméter
arejem, logo que desponte a força de Oríon,
 em lugar bem ventilado e em eira redonda.

Hesíodo, Trabalhos e  Dias


in Pinheiro, Ana Elias (trad.), Ferreira, José Ribeiro (trad.), Teogonia;Trabalhos e Dias, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2005, pp. 114-115


(Uma eira redonda perto de Sentinela, no Algarve Oriental)

(O Verão toma de assalto as serras...)

(...e os laranjais).

A primeira foto é da albufeira da barragem do Beliche.

Todas as fotos foram tiradas hoje, 16/06/2013.

sábado, junho 15, 2013

O nosso “thatcherzinho”

Sabemos que Thatcher quebrou a espinha aos sindicatos dos mineiros do carvão, depois de quase um ano de luta e de greve. Sabemos que Thatcher é um modelo para pequenos neoliberais provincianos como nosso primeiro-ministro (o provinciano ditador Salazar, como sabemos, é outro modelo seu). Quererá ele mostrar músculo face aos professores, elegendo uma classe profissional para mostrar como se faz? Com a sua teimosia e irredutibilidade em não querer alterar a data de um exame para outro dia, como lhe sugeriu o colégio arbitral, parece querer manifestar uma posição de força face aos sindicatos e a um grupo profissional que os políticos dos partidos do “arco da governação” se habituaram a apoucar e desvalorizar socialmente, como se vê pelo trato que lhe dão quando governam e não pelas palavras mansas que lhe dirigem, quando estão na oposição.

Nem Passos é Thatcher, nem os professores são mineiros do carvão. Se ele se julga uma espécie de “dama de ferro” à portuguesa, ou se intenta querer seguir-lhe o exemplo, ou ainda, se sonha ser assim, está muito equivocado.

Passos será sempre uma versão de plástico, que é mais barato (nas palavras de O'Neill).

terça-feira, junho 11, 2013

O tornado de Nice

Valery Hache/AFP

Domingo passado.

segunda-feira, junho 10, 2013

E você, também tem medo dos portugueses?

Um destes dias a perplexidade atingiu-me ao ouvir coisa inaudita. O primeiro-ministro afirmava a alta voz que não tinha medo do povo do país que governa. Mas era suposto que tivesse? Tentei lembrar-me de outro primeiro-ministro português que o tivesse afirmado. Debalde. Imagine-se Obama, por exemplo, clamar do alto de um palanque que não tem medo dos americanos, ou Hollande a dizer o mesmo relativamente aos franceses, ou Merkel em relação aos alemães, e assim por diante. Só de imaginá-lo é ridículo!

Mas que necessidade pode levar um primeiro-ministro ou um governante, verbalizar tal coisa em relação ao seu próprio povo. Suspeito que por tê-lo dito, manifesta exactamente o contrário: que ele lá no fundo teme os portugueses. Só pode. Mas caramba! Não é ele português?

Os portugueses, tal como qualquer outro povo civilizado, não pretendem ser temidos por quem os governa. São um povo pacífico. Os portugueses pretendem apenas ser respeitados.

domingo, junho 09, 2013

O papel do professor

A competência do professor consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: «Eis aqui o nosso mundo!»

Hannah Arendt (1968), “A Crise na Educação” in Quatro Textos Excêntricos, Relógio D’Água, 2000, p. 43.

terça-feira, maio 28, 2013

Platão, a preço de banana


O Górgias de Platão foi uma das aquisições recentes por este bibliófilo. O culpado foi um tal de Frederico Lourenço que escreveu algures na sua Grécia Revisitada, que “o Górgias de Platão está para a obra de Platão como a sonata “Apassionata” para a de Beethoven”.

Mas o classicista diz mais: “O leitor moderno do Górgias está mais apto a compreender as razões profundas da desconfiança de Platão relativamente à classe política, uma vez que hoje em dia estamos mais alertados que nunca para a ‘retórica’ oca da adulação das massas (para utilizar um conceito típico do Górgias), que está na base das manobras eleitorais, por demais conhecidas das sociedades “democráticas” para precisarem aqui de serem explicitadas.” (Frederico Lourenço, Grécia Revisitada, Livros Cotovia, 2004).

E mais adiante: “Basta pensarmos na história recente do século XX para darmos razão à forma indignada como Platão rejeita a retórica: uma arte que não é uma arte, sem qualidades definidas, pouco melhor que uma versão verbal e particularmente insalubre da haute cuisine – para retomar a própria analogia socrática.” (Frederico Lourenço, Grécia Revisitada, Livros Cotovia, 2004).

E pronto, lá comprei o Górgias, na Feira do Livro da FNAC, a preço de banana. Uma obra imorredoura, um monumento, por apenas 7,80 €.

E assim, vivam os classicistas, pelas suas preciosas indicações e traduções! E viva a Feira do Livro! (Estranho: no Porto critica-se o centralismo de Lisboa, mas abandona-se a Feira do Livro ao centralismo da capital. Parece que há por lá quem saque da pistola, sempre que ouve falar de cultura, ou estarei a ser injusto?)

Fica a capa da dita obra:

Platão, Górgias. Tradução de Manuel de Oliveira Pulquério, Lisboa
Edições 70, 1992.

PS - Mas o que estão as Edições 70 à espera para publicarem os Livros II, VII e IX da História de Heródoto?

domingo, maio 26, 2013

Graffitis

Andam lunáticos à solta pela cidade nocturna com pincéis e baldes de tinta negra. Nas noites de lua cheia ou outras luas, atacam os muros com frases indecifráveis ou que se dão a múltiplas interpretações e significações. Frases para fazer pensar, a quem gosta de pensar, quando vagueia pelos passeios dos subúrbios e das cidades. Frases para flâneurs e voyeurs.

Eis algumas frases, escritas em antigos e verdadeiros graffiti:

TIRO NO ESCURO

O que significa isto? Um dito racista? Um tiro num africano? Não. Uma aposta incerta, um “tiro no escuro”? Um passo cego que pode conduzir ao abismo? Um estampido ecoando na noite? Uma bala perdida que, caprichosamente, pode atingir qualquer um, qualquer inocente? Mas um tiro não tem que significar necessariamente um estampido. Há quem use silenciador. Ou ainda, será alguém que furta, que tira, a coberto da noite, e o afirma? O “escuro” oculta, mas o “tiro”, ouvido, revela algo. Remete para o perigo de ser alvejado. Remete para a ameaça de ser atingido por um raio, vindo sabe-se lá de onde. Quando se recebe uma chapada na escuridão, ficamos sem saber a quem acometer. Ficamos indefesos ante a chapada oculta, inesperada. Na escuridão estamos cegos.

***

Outra frase, esta lida lá para os lados das Amoreiras:

ENTRE O DIZER E O FAZER, HÁ MUITO QUE FAZER.

Esta tem o seu interesse. Na verdade dizer já é fazer, ou não é assim? Quando se diz, já se actua. Dizer, implica um comportamento observável, uma acção: escrever, falar, dizer…Mas quem a escreveu deve ser alguém de acção, que paradoxalmente diz-nos primeiro que, “entre o dizer e o fazer, há muito que fazer”, e di-lo escrevendo. Fá-lo escrevendo. Fá-lo dizendo.

Mas no caso, parece querer fazer-se uma distinção entre a palavra e a acção. Mas fazer o quê? Uma revolução? Uma reforma? Há muito que fazer para preparar uma revolução. Dizer, pode manifestar uma intenção, mas da intenção à acção, há muito que fazer. O nosso povo está prenhe de intenções, mas o primeiro a atirar a pedra levantada da calçada é quase sempre um estrangeiro profissional em motins.

***

A MAIOR ARMA DO OPRESSOR É A CABEÇA DO OPRIMIDO.

Esta é decerto, coisa de marxistas. Os termos “opressor” e “oprimido” fazem parte desse discurso dialéctico. Desde a antiguidade, os escravos, os servos e os proletários são, segundo Marx, os oprimidos deste mundo. O discurso pós-marxista detectou outros oprimidos que atravessam as classes sociais definidas por Marx, e com isso pretende tirar validade à divisão marxista das sociedades em classes. Prefere falar de grupos identitários. E que oprimidos foram esses, que o discurso marxista não relevou? As mulheres, os homossexuais, os segregados devido à etnia ou à raça, etc. Porém, um marxista pode contestar isto. Afinal, a classe dos escravos não contém as escravas, só para dar o exemplo? E a dos servos, as servas? E a dos proletários, as proletárias? Mas a verdade é que as mulheres foram segregadas e oprimidas, independentemente da classe social a que pertenciam. Só assim se justifica a sua ausência da história do pensamento, para não dizer da história da arte, e, salvo raras excepções (algumas rainhas que, não estando à sombra de nenhum rei protagonizaram os destinos do seu povo) de toda a história. É caso para dizer que das mulheres não reza a história. A História tem sido uma história de homens. Não nos admiremos portanto com o surgimento dos Estudos de Género na actual Universidade. As mulheres chegaram à Academia quase 2500 anos depois dela ter sido fundada por Platão.


A Escola de Atenas, de Rafael. 
(Onde estão as mulheres? 
Temos duas estátuas marmóreas a enfeitar o friso.)


Mas em relação ao dito de que “a maior arma do opressor é a cabeça do oprimido”, não tenhamos dúvida que assim é. Já nos referimos a este dito aqui.

***


O MORAIS FOI ÀS PUTAS
(escrito numa parede, em Almada)


Ai o Morais, o Morais, que anda por aí a pregar a moral e os bons costumes. Afinal o Morais “foi às putas”. Esta bem poderia ter sido escrita por um antigo cínico, por um Diógenes dos nossos tempos. Uma manifestação contra os falsos pregadores, os que apregoam uma coisa e fazem outra. É o que há mais por aí. É como a história do frei Tomás e do “faz o que ele diz, não faças o que ele faz”. Ou então faz e depois não te queixes. Esta frase do Morais é um tratado kínico.

[Este post irá sendo acrescentado com mais ditos escritos nas paredes urbanas e suburbanas, por aí lidos nas deambulações urbanas e suburbanas]

sábado, maio 25, 2013

Um muro no caminho


Um obstáculo, uma barreira,
Um problema, um desafio.
Uma questão de semântica.
Um murro no caminho.
Um muro no caminho.

sábado, maio 18, 2013

Hoje, à beira do mar



Uma longa caminhada à beira do mar, entre a Praia Verde e Cacela-a-Velha, aproveitando a baixa-mar. Pelo caminho, um torneio de pesca na Manta Rota onde o peixe não medrava e um falso zéfiro não convidava a permanências demoradas. No regresso, já os pescadores tinham rumado a costas mais aprazíveis, ou, o mais provável, aos bares mais próximos.

Na triste praia, não se avistaram “les filles du bord de mer”.


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