segunda-feira, outubro 14, 2013

Ainda por cumprir e já noutro filme

«Assim, como atrás referi, as duas mais importantes promessas da modernidade ainda por cumprir são, por um lado, a resolução dos problemas da distribuição (ou seja, das desigualdades que deixam largos estratos da população aquém da possibilidade de uma vida decente ou sequer da sobrevivência); por outro lado, a democratização política do sistema político democrático (ou seja, a incorporação tanto quanto possível autónoma das classes populares no sistema político, o que implica a erradicação do clientelismo, do personalismo, da corrupção e, em geral, da apropriação privatística da actuação do Estado por parte de grupos sociais ou até por parte dos próprios funcionários do Estado).»

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, O Social e o Político na Pós-Modernidade, 8ª ed., Edições Afrontamento, 2002, (na página 88).

Desconheço se Sousa Santos já o teria escrito aquando da primeira edição, em 1994. Se o fez, passaram então dezanove anos. Neste ínterim o mundo mudou, para pior, e, em vez de nos aproximarmos progressivamente do cumprimento das promessas por cumprir da modernidade, afastámo-nos delas à velocidade da luz. Volvidos estes anos, em Portugal, semiperiferia (sempre semiperiferia!) cada vez mais periférica, a conversão das elites governantes e dos seus partidos à doutrina neoliberal pós-moderna, agravou os problemas da distribuição e afastou-nos da democratização política do sistema político democrático, ao ponto de se voltarem a ouvir por aí as famosas grandoladas (inclusive na Assembleia da República, a Casa da Democracia).

A modernidade ficou por cumprir neste país e a modernização é uma gargalhada.


A pós-modernidade abalroou as promessas incumpridas da modernidade como uma locomotiva abalroa um camião.

domingo, outubro 06, 2013

Tangerinas de Tânger, laranjas de Portugal

Quanta história se cruza nas ruas de Tânger – até a fruta que recebeu nome da cidade fala de séculos de intercâmbios comerciais e choques culturais. E por causa das frutas, e da geografia cultural que representam, vem-me à memória uma conversa uma vez num mercado do Irão. Eu que explicava que era de Portugal. O vendedor de fruta mostrou-me uma laranja e sorriu: “Ah, portugália”. O nome para “laranja” em persa era “portugália”.


Tangerinas de Tânger, laranjas de Portugal – e pelo meio um estreito de mar com a largura de um milénio de desconfianças, preconceitos, ódios e guerras. Que estúpidos que são os homens e as coisas em que acreditam.

Gonçalo Cadilhe, África Acima, Oficina do Livro, 2007, pp. 197-198

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O livro de Gonçalo Cadilhe é para ler com o auxílio de um bom atlas ou mapa e de uma lupa, para podermos acompanhá-lo no seu percurso e localizarmos as cidades que atravessa. Li-o num ápice. Consegue transportar-nos para África, é divertido e faz pensar. Agradeço ao autor.

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Curiosamente acabei de ler o livro numa semana marcada pela tragédia (mais uma) que se abateu sobre centenas de africanos que tentavam alcançar a ilha de Lampedusa num barco que ardeu e se afundou. Morreram centenas de imigrantes, incluindo mulheres grávidas. Prenhes de África, esperançosas de Europa. Que problema este. Que tragédia.


Estamos pois, muito longe desse tão apregoado mundo plano, aplanado pela globalização, onde supostamente existiria igualdade de oportunidades para todos. A globalização capitalista não é solução porque gera enormes desigualdades socio-económico-espaciais – polarizações, chamam-lhe os sociólogos - e são estes diferenciais que estão na origem de todos fluxos, no caso, fluxos de desesperados que pagam muitas vezes com a vida, a ousadia de sonharem com outra existência, mais promissora do que a que lhes é oferecida nos poeirentos campos de África.

sábado, outubro 05, 2013

O acelerador de partículas da história

A guerra é uma espécie de acelerador de partículas na transformação da história.

João Gouveia Monteiro

No programa da Antena 2, Quinta Essência, de João Almeida, o historiador João Gouveia Monteiro, com grande vivacidade e detalhe, conseguiu fazer com que este ouvinte presenciasse, em directo, a Batalha de Gaugamela, que opôs o exército de Alexandre Magno da Macedónia ao de Dário III da Pérsia, em 331 a. C.


O excelente programa pode ser ouvido AQUI.

Entretanto aguarda-se já a próxima grande batalha.

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Um livro adquirir:


João Gouveia Monteiro, Grandes Conflitos na História da Europa, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.

quinta-feira, outubro 03, 2013

Civilização e religião

Abro o Livro do Desassossego e leio:

Cada civilização segue a linha íntima de uma religião que a representa: passar para outras religiões é perder essa, e por fim perdê-las a todas. Nós perdemos essa, e às outras também.”

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio e Alvim, 2013, p. 259

E não era sociólogo.

No cerne de cada civilização encontramos uma religião, se escavarmos bem fundo. Os que estudam as civilizações sabem-no. Fernando Pessoa, que não estudava civilizações, sabia-o. Desestrutura-se aquela civilização cujos membros vão abandonando paulatinamente a linha íntima da religião civilizacional.


É por aqui que podemos tomar o pulso da decadência civilizacional. Qualquer
que seja a civilização.

domingo, setembro 29, 2013

Turista não: viajante!

Duane Hanson, Tourists II, 1988

O principal desígnio do turista consciente é não ser confundido com um turista. Esses que constituem as hordas invasoras de cidades, campos e praias e que tudo conquistam com o olhar, o vociferar e a presença. Uma praga!

O principal desígnio de um turista consciente é ser tomado por viajante.

O turista inconsciente está-se nas tintas.

sábado, setembro 28, 2013

Sobre as alterações climáticas: duas leituras.


Expresso: “Relatório da ONU. Aquecimento global abrandou. A subida das temperaturas abrandou e nos últimos 15 anos até estabilizou. (…) É a primeira vez desde o relatório de 1990 que o IPCC não apresenta um cenário alarmista, apesar das emissões de CO2 continuarem a aumentar.” (pág. 2, Primeiro Caderno).


Parece que, pelo tom, a notícia do Expresso esteve ao cuidado de algum céptico das alterações climáticas e do aquecimento global.

África abaixo

Os países são feitos de pessoas, e eu acredito que a maioria das pessoas é feita bem. É feita de valores universais, que permitem a qualquer viajante sentir-se em casa quando se sente rodeado desses valores. O sorriso, a solidariedade, o bom-senso, a alegria, a música e a amizade valem mais que a corrupção, a desonestidade, o ódio, os preconceitos raciais, os estereótipos sociais. Viajarei com o primeiro grupo de valores na bagagem, para trocá-los por outros iguais ao longo da viagem. E como não os quero só para mim, depois de trocá-los, irei partilhar tudo.”

Gonçalo Cadilhe, África Acima, Oficina do Livro, 2007, p. 19


Conforta-me saber que existem viajantes experimentados que, depois de terem visto o mundo, ainda assim guardam uma confiança incondicional no ser humano, esse perigoso animal mais imprevisível do que um tubarão.

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Não é que Gonçalo acredite viver no melhor dos mundos, como o doutor Pangloss, na história de outro grande optimista. Gonçalo não é ingénuo. Mas sabe que pode aventurar-se pelo mundo com relativa segurança, uma vez que sempre existem ilhas com bons ancoradouros onde poderá abrigar-se das tempestades.


Depois de ter lido as desventuras de Serpa Pinto pelas terras da África Austral no final do século XIX, e a história da travessia de Paul Theroux no século XX, do Cairo ao Cabo, sinto curiosidade em saber como se sairá Gonçalo Cadilhe nesse continente que é encanto e desencanto, que é sonho e pesadelo, que é tudo e o seu contrário.

Vou ler.

domingo, setembro 15, 2013

Um criminoso contra a humanidade, à solta.


Assad é um criminoso contra a humanidade. É Ban Ki-Moon, o Secretário-geral das Nações Unidas que o diz, e não um perigoso imperialista desejoso por alargar a esfera de influência do seu império. O que se deve fazer então em relação ao criminoso? Cruzar os braços e deixá-lo à solta? Vamos advogar que é um problema sírio, eles que se entendam? Que se matem uns aos outros? Parece-me que não: é um problema da humanidade, um problema planetário e portanto, um problema nosso. Já não vivemos no tempo do Rei Creso, nem na Idade Média europeia, em autarcia, fechados nos nossos feudos.

Quando nem uma só bala tinha ainda sido disparada e um só corpo tombado nas ruas de Damasco, quando o exército da Síria estava unido e o conflito não se tinha avolumado como uma bola de neve, Assad, por ter toda a força do seu lado, tinha o dever moral de evitar a guerra. Preferiu outro caminho e deixou que se avolumasse o conflito. O resultado está à vista.

Estou perplexo com a posição das esquerdas portuguesas, contra Obama, aparentemente por cegueira ideológica: parece que, para as nossas esquerdas, todo o vento que sopra da América é mau, independentemente das razões que lhe assistem, quer sejam justas ou não. Como se Obama fosse um falcão ávido de sangue, um Bush. Curiosamente as posições das esquerdas assemelham-se às posições da extrema-direita fascista, basta ler as opiniões dos blogues dessa área, que defendem os regimes de Assad e de Putin. Ironias da história.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Estátuas







As estátuas altaneiras das velhas cidades imperiais miram-nos de cima, sobranceiras.

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