sábado, maio 03, 2014

No meridiano

«Se Deus fizesse tenções de corrigir a degenerescência da humanidade não o teria feito já? Os lobos eliminam as suas crias mais fracas, homem. Que outra criatura seria capaz disso? E a raça humana não é ainda mais rapace? As leis naturais mandam germinar, dar flor e fenecer, mas nos afazeres dos homens não há declínio e o meio-dia da sua expressão assinala o começo da noite. A alma humana fica exaurida no ponto culminante das suas façanhas. O seu meridiano é a um tempo o início das trevas e o declinar do seu dia. O ser humano gosta de jogos? Pois que jogue a valer. Isto que vocês aqui vêem, estas ruínas que as tribos de selvagens tanto admiram, não vos parece que vai repetir-se? Vai, sim. Vezes sem conta. Com outros povos, com outros filhos.»


Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 126.
(os destaques são nossos)

Efeito Ozymândias.

segunda-feira, abril 28, 2014

domingo, abril 27, 2014

Vasco Graça Moura

Partiu hoje.

Dele retenho as suas traduções de Jean Racine, com destaque para Berenice, a sua oposição ao Novo Acordo Ortográfico e o seu amor à Cultura.

Era sem dúvida um dos nossos melhores.


Repudiar, respeitosamente

«Um bom primeiro passo para a libertação da humanidade das formas opressivas de tribalismo seria o de repudiar, respeitosamente, as afirmações daqueles que se encontram no poder, que dizem falar por Deus, ser representantes especiais de Deus, ou terem conhecimento exclusivo da divina vontade de Deus. Incluídos entre estes fornecedores de narcisismo teológico estão os eventuais profetas, os fundadores de cultos religiosos, os exaltados ministros evangélicos, aiatolas, imãs das grandes mesquitas, chefes rabis, rosh yeshivas, o Dalai Lama e o Papa. O mesmo se aplica a ideologias políticas dogmáticas baseadas em preceitos incontestáveis, de esquerda ou de direita, e especialmente quando justificados com dogmas das religiões organizadas. Poderão conter uma sabedoria intuitiva que merece ser escutada. Os seus líderes podem ter boas intenções. Mas a humanidade já sofreu bastante com a história grosseiramente errada contada por falsos profetas

Edward Wilson, A Conquista da Terra: a Nova História da Evolução Humana, Clube do Autor, 2013. Pág. 301

(o destaque é nosso)

Subscrevemos plenamente. Assinamos por baixo.

sexta-feira, abril 25, 2014

Mar da Arrábida e "Onde estava você, no 25 de Abril?"

    © AMCD

Há quarenta anos, na savana moçambicana, nas margens do lago Niassa, soava na rádio um cante anunciador de uma revolução longínqua. A perplexidade era geral.

Era por lá que eu andava.

Já por estes dias e por cá, o mar da Arrábida tem estado sereno (é do quadrante Norte que o vento tem soprado e a serra dá abrigo a este mar), mas sob um céu por vezes carregado*.

(*) A fotografia é de anteontem.

40 anos passaram. Pois que venham mais 40!

40 anos passaram. Pois que venham mais 40! (digo eu para com os meus botões)

Em quarenta anos se construiu o que agora se destrói, e rapidamente. Resiste uma Constituição bem alicerçada. Um último bastião. Mas por quanto tempo mais?

Todos sabemos que destruir é mais fácil e mais rápido do que construir. Assistimos agora a uma destruição criativa, mas o que se cria não é já uma revolução (ou no máximo será uma revolução invertida, uma anti-revolução em marcha que nos conduz, já não à liberdade, mas à servidão).

E se há quarenta anos o povo se uniu e nessa união residia a sua força (cantava-se na rua, como em todas as revoluções, em uníssono, que o povo unido jamais seria vencido), agora é pela sua desunião que se enfraquece. Dividir para reinar tem sido a estratégia de todos os inimigos da liberdade: opor novos a velhos, empregados a desempregados, os que partem aos que ficam, nacionais a imigrantes, os que têm aos que não têm, os do público aos do privado, gerações contra gerações...

Um povo desunido é um povo vencido!

Povos desunidos não tomam Bastilhas.

quarta-feira, abril 23, 2014

domingo, abril 13, 2014

E na página 260, reza assim

E na página 260 lá encontramos inesperadamente Portugal, num livro de divulgação científica sobre a história da evolução humana e das sociedades.

Reza assim:

«Estudos adicionais sugerem (mas ainda não o provaram de forma conclusiva) que o nivelamento é benéfico mesmo para as sociedades modernas mais avançadas. Aquelas que mais fazem pela qualidade de vida dos seus cidadãos, da educação aos cuidados de saúde, do controlo do crime à preservação da auto-estima colectiva, são as que têm uma diferença menor entre os rendimentos dos cidadãos mais abastados e dos mais pobres. Entre 23 dos países mais ricos do mundo e estados individuais dos EUA, de acordo com uma análise de 2009 efectuada por Richard Wilkinson e Kate Picket, o Japão, os países nórdicos e o estado americano de New Hampshire têm simultaneamente o mais estreito diferencial de riqueza e a média mais alta de qualidade de vida. No fundo da tabela estão o Reino Unido, Portugal e o resto dos EUA.»

Edward Wilson, A Conquista da Terra: a Nova História da Evolução Humana, Clube do Autor, 2013. Págs. 259-260.
(o destaque é nosso)
***

Nem quando nos embrenhamos na leitura de um livro de divulgação científica de um entomologista escapamos ao opróbrio de constatar que somos (éramos em 2009 e somos ainda) uma das mais desiguais sociedades do mundo. Nem a leitura de uma obra que julgávamos afastar-nos da espuma dos dias, consegue afinal alhear-nos desta vil realidade, cada vez mais cavada pelas “elites” terratenentes e reaccionárias que nos dirigem. É tão evidente que salta à vista. Até nos livros de divulgação científica de um entomólogo! Lá está, na página 260: o nome do meu país. Ah, mas ombreamos com esses países que são a cumeada do capitalismo neoliberal mais extremo, civilizadíssimos, os países do tea party e dos lords: o Reino Unido e os EUA (o resto).

Ah, grande piolheira!

***

Sorrio quando verifico que à luz neoliberal, todo o livro é sobre uma quimera, uma abstracção, uma coisa que não existe: a evolução das sociedades. Nas palavras da ida, mas não saudosa Margaret Tatcher, a sociedade é uma abstracção, é coisa que não existe. Cá está então um livro sobre a evolução de coisa nenhuma.


E quando vejo o meu país, assim contextualizado, aflora-me sempre à memória aquele verso do O’Neil "...ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!"

quarta-feira, abril 09, 2014

O hard talk de José Rodrigues dos Santos - II

"...até o advogado do diabo pode ser inteligente e pode perceber que não basta papaguearmos tudo aquilo que nos dizem para fazer uma entrevista".

José Sócrates a José Rodrigues dos Santos

Advogado do diabo, burro e papagaio. Eis no que se resume o segundo Hard Talk de José Rodrigues dos Santos com José Sócrates. A dada altura o jornalista disse que registou o insulto mas que não iria responder. Lá se foi o Hard Talk lusitano. Ó civilizadíssima Britânia, que só em ti há essa capacidade dos jornalistas e dos entrevistados se interpelarem duramente sem se deixarem arrastar para a lama!

É o que dá os duelos na terra dos josés.

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