domingo, dezembro 26, 2021

Richard Rogers

Richard Rogers (1933-2021)

Um destes dias morreu o famoso arquitecto Richard Rogers e, lamentavelmente, não tive tempo de postar uma homenagem, na hora, a esse grande homem do qual conhecia tão pouco: o Domo do Milénio, em Londres e, mais antigo, o Centro Georges Pompidou, em Paris, eram obras suas. Fiquei a saber há pouco. Mas era outra a sua obra que me era familiar: o livro Cidades para um Pequeno Planeta, da editora Gustavo Gili (GG), de 2001.

 

A criação da moderna cidade compacta exige a rejeição do modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominância do automóvel. A questão é como pensar e planear cidades, onde as comunidades prosperem e a mobilidade aumente, como buscar a mobilidade do cidadão, sem permitir a destruição da vida comunitária pelo automóvel, além de como intensificar o uso de sistemas eficientes de transporte e reequilibrar o uso das nossas ruas em favor do pedestre e da comunidade.  

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 38

 

Nitidamente, as preocupações de Richard Rogers eram a prosperidade da comunidade, a mobilidade do cidadão, a vida comunitária, o uso da rua em favor do pedestre e da comunidade. A comunidade, agora refugiada de si mesma no automóvel, nos edifícios de escritórios, nos centros comerciais e nos condomínios fechados. A comunidade fragmentada empobreceu a vida na cidade com largos segmentos que a compõem a abandonarem a vida de rua, a vida na rua. A vida saiu da rua. Passam por ali automóveis e, ocasionalmente, um pedestre.

 

Mas havia outras preocupações:

 

Acredito piamente na importância da cidadania e na vitalidade e humanidade que ela estimula. A cidadania manifesta-se em gestos cívicos planeados e de grande escala, mas também em gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica diversidade da vida urbana.

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 15

 

A necessidade de promover a cidadania que se sente escapar das nossas cidades com a perda de solidariedade e o avanço da indiferença. Vivemos em sociedades de indiferença (já o disse o Papa) e os indiferentes somos nós para com os quais os outros, os nossos concidadãos, se isso se lhes pode chamar, também se manifestam indiferentes. E parecemos todos indiferentes à nossa indiferença. Nem nos damos conta. Não somos apenas diferentes, somos indiferentes, e nisso somos iguais. A indiferença é inimiga da diversidade. E não há como escapar a isto. Como não poderíamos ser indiferentes aos que chegam a clamar por refúgio e abrigo, e que procurarão chegar cada vez mais, se somos indiferentes connosco?

Bem-vindos à cidade da indiferença, o que equivale dizer, à sociedade da indiferença. Era, portanto, necessário, para Richard Rogers, reanimar a cidadania nas ruas, nas cidades e nas sociedades, a cidadania em cuja importância Richard Rogers acreditava piamente.

 

O padrão-anti social do crescimento segmentado, causado por um desenvolvimento orientado apenas para o lucro, mostrou-se inadequado às necessidades da cidade.


Richard Rogers, op. cit., pág. 116.

 

Parece que não aprendemos nada.

 

Até sempre Richard Rogers.

sábado, dezembro 25, 2021

.


Não deixou obra escrita. Escreveu apenas uns rabiscos na areia, ensimesmado numa breve reflexão e, de seguida, apagou-os. "Quem nunca pecou que atire a primeira pedra", proferiu.


O que terá escrito?

quinta-feira, dezembro 09, 2021

In Memoriam

 

José Eduardo Pinto da Costa (1934-2021)

Os nossos melhores não são apenas os craques da bola ou os treinadores de futebol prestigiados lá fora. Entre nós há gente de grande qualidade com outros misteres. 

José Eduardo Pinto da Costa, era sem sombra de dúvida um dos nossos melhores.

Que descanse em paz.


sábado, setembro 11, 2021

sexta-feira, agosto 27, 2021

A debandada

 A retirada americana (ocidental, para ser mais preciso) é um desastre consumado: um falhanço. A morte de soldados americanos hoje, no festim bombista, devem estar a pesar na consciência de Biden.

O presidente Marcelo relativiza: “Quando há uma retirada assim, todas as soluções são más”. Sim, todas as soluções são más, mas há soluções mais más* do que outras. Uma “retirada assim” tem um nome: debandada.


(*) piores

quarta-feira, agosto 25, 2021

O passado não fica lá atrás

 

Jorge Luís Borges, Outras Inquirições, Quetzal, 2020.

⭐⭐⭐⭐

O passado é indestrutível; mais tarde ou mais cedo tornam todas as coisas, e uma das coisas que tornam é o projeto de abolir o passado.

Jorge Luís Borges, Op. cit, pág. 91

segunda-feira, agosto 23, 2021

O tempo não nos vencerá

 

Michel Houellebecq, Intervenções, Alfaguara, 2021.


⭐⭐⭐⭐


Compreendeu por fim o que toda a gente à sua volta sabia: quando já não somos desejáveis, deixamos de ter o direito ao desejo.

Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 119.

 

Sei agora que o tempo não nos vencerá.

 Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 147.

 

Não me esquecerão necessariamente depressa, mas serei esquecido ainda assim.

 Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 160.



****

Só não é esquecido quem não viveu.

 

Acabo sempre por ir dar ao poema de Alfonso Canales. O poema que encerra a Verdade. Um poema onde me refugio sempre que a ideia do esquecimento me assombra.

 

É escusado alimentar lamentos sobre o esquecimento a que um dia seremos votados. Ser lembrado não é importante. O importante é viver (preferencialmente sem sofrimento e sem fazer sofrer os outros). Lamentou-se também uma vez José Saramago, ou talvez não tenha sido um lamento, mas uma mera constatação, de que os seus livros um dia seriam esquecidos numa prateleira qualquer, assim como o seu nome. Bastariam umas décadas ou um século.

 

Na verdade, no fim, ou mesmo antes do fim, só o pó subsistirá. Pó das estrelas.

 

Mesmo assim, TEREMOS VIVIDO.

 

Não, o tempo não nos vencerá.

domingo, agosto 22, 2021

Miramar


© AMCD 

sexta-feira, agosto 20, 2021

A estranha “reconquista” taliban

 É estranho. Não há contagem de mortos e feridos até agora, sabendo nós que a imprensa sensacionalista aproveitaria logo o facto se os houvesse. Uma reconquista sem mortos.

 

Outra estranheza: uma jornalista americana da CNN calcorreia as ruas de Cabul, incólume, e entrevista alguns talibans. Enquanto isso, a multidão apavorada procura escapar para o aeroporto.

Clarissa Ward, jornalista da CNN em Cabul

Os únicos mortos até agora, parecem resultar do descontrole da multidão e dos que se penduram irracionalmente nos trens de aterragem dos aviões de transporte militar, sendo atropelados na pista, ou caindo do céu. Parece que o pavor mata mais do que as balas.

 

Nas ruas os talibans assemelham-se a lobos no meio de cordeiros, ou melhor, a cães pastores entre os rebanhos. Tentam controlar a multidão. Alguns disparam para o ar, do cimo das pick-ups. Outros açoitam os transeuntes mais recalcitrantes.

 

As bandeiras dos talibans são brancas como a bandeira da paz, mas com inscrições. Fazem lembrar as bandeiras do Daesh, só que essas eram negras.  Questiono-me se as bandeiras dos talibans foram sempre brancas ou se são apenas brancas para esta ocasião. Veremos se as bandeiras brancas não se irão transformar em bandeiras negras até 31 de Agosto, data previamente anunciada para a conclusão da retirada americana.  Ou após essa data.

 

Até agora, a "reconquista" parece um 25 de Abril ao contrário, sem cravos, nem papoilas, na ponta das armas. Um 25 de Abril invertido, sem festa ou adesão popular. Um 25 de Abril que em vez de liberdade carrega servidão e opressão. 


É o querido mês de Agosto da sociedade tribal afegã. Um povo de pastores belicosos, do qual a guerra parece fazer parte dos costumes: chega o Verão, vem a guerra. Parece que para aquela gente a vida não seria a mesma sem ela.

 

Alguns dizem que esta "reconquista" é uma derrota para o império americano. Outros repetem à exaustão o cliché segundo o qual o Afeganistão é o cemitério dos impérios. Será mesmo assim? Creio que exageram.

 

Afinal não houve reconquista nenhuma: os talibans acabaram por ocupar um território que os americanos decidiram abandonar. Não podiam nem queriam ficar lá para sempre. Mas se quisessem ficariam.

Etiquetas