sábado, novembro 10, 2012

Monte Gordo, hoje

       © AMCD


       © AMCD

Os céus continuam carregados e sombrios, mas o mar está calmo. Enquanto lanço os olhos ao jornal, na esplanada, junto ao areal, outros lançam o olhar ao horizonte enquanto aguardam os raios de sol. Velhos casais rendidos aos lugares onde outrora, possivelmente, foram felizes. Naquele Verão da vida, que agora procuram, mesmo neste Outono invernoso. Talvez o tenham encontrado. Velhos casais felizes. 

Mesmo no Inverno da vida não deixamos de procurar o Verão da vida, ou a ilusão desse tempo. Regressamos aos lugares onde fomos felizes. Regressamos, por vezes, vezes sem conta. Também fui feliz aqui. E sou, de certa maneira, mas já começam a pesar as recordações doutros tempos mais felizes. Estou a ficar velho.

sexta-feira, novembro 09, 2012

A doença infantil de certos portugueses*


Eu quero lá saber das ideias da Isabel Jonet. Ela que continue trabalhando, o resto (o que diz, o que pensa, o que sente) não me interessa. Interessa-me o que faz. Se ela pensa, fala e sente como a “tia Jonet”, problema dela. Só lhe fica mal, mas enfim, é a Jonet.

E em relação à chanceler Merkel e aos queixumes dirigidos à mesma, que já se avolumam em manifestação, espantam-me. São um sinal de infantilidade perante alguém que pugna pelos interesses do seu país, que é para isso que ela o lidera. É porém verdade que a política da Merkel pode conduzir-nos à velha Europa das rivalidades nacionais exacerbadas (mas rivalidades nunca deixaram de existir, não sejamos ingénuos). A velha Europa regressará (e não me venham dizer agora, que esta foi sempre a velha Europa, porque é preciso conhecer a história da Europa pré-1945 ou pré-1957, para saber o que era a velha Europa), se a nova Europa deixar. Repito: a velha Europa regressará, se a nova Europa deixar. E entre os que defendem a nova Europa, estão também muitos alemães. Por isso, o problema não é a Merkel nem os alemães, mas os que a ela se submetem caninamente.

Fizessem o mesmo os que nos lideram e lideraram, pelo nosso País, ou seja, tivessem defendido acerrimamente os interesses de Portugal e da nova Europa, em vez de ir visitar a Merkel, de braço estendido e implorando, como fizemos aqui referência, e hoje não estaríamos submetidos a tão triste espectáculo. Ou simplesmente, não estaríamos submetidos.

A culpa não é da Merkel, é nossa, ou melhor, daqueles que tão mal nos lideraram e lideram.

Disse.
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(*) - Isto para evitar o termo, “a doença infantil de uma certa Esquerda”, que aqui não há hemiplegias morais – vide o post inaugural deste blogue.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Por cá vivem-se dias cinzentos e tempestuosos




Facto que não demove uma passeante e um marisqueiro, que trabalha duramente,...


...nem um fotógrafo, amador e amante de tempestades.

Mas em Novembro há dias assim e, por vezes, em Dezembro, assim

Inconstâncias de um clima mediterrânico.

"Play it again" Obama, but...

(imagem da CNN)

(imagem da CNN)

Obama venceu. É sinal para dizer “play it again” Obama, mais quatro anos na Casablanca. Antes ele que Mitt Romney. Mas não nos esquecemos da posição de Obama em relação à proposta francesa de aplicação da taxa Tobin a nível global, que aqui denunciámos. Não nos esquecemos também, que nos EUA e durante o seu mandato, a classe média americana (85% da população americana, como bem nos lembra a jornalista Márcia Rodrigues, numa excelente peça) foi cada vez mais espremida nos seus rendimentos, ao mesmo tempo que Wall Street prosperava.

Mas não nos deixa de surpreender a fragilidade do discurso do movimento Occupy Wall Street: o tal discurso do “nós, os oprimidos, somos 99% e vocês os super-ricos, que nos oprimem, apenas 1%”, quando verificamos que, afinal, tal balanço não se reflecte na distribuição dos votos entre os candidatos. Obama consegue cerca de 59 500 000 votos (52%) e Romney cerca de 57 000 000 de votos (48%). Então o “nós somos os 99% e vocês o 1%”, reflecte-se nisto? É certo que a propaganda eleitoral americana, em particular a conservadora, é poderosa. Mas será ela a responsável pela traição e ludíbrio de muitos dos que dizem pertencer aos 99%, e que afinal, foram votar no candidato claramente pró-Wall Street?

Sabemos que o partido de Wall Street joga em dois tabuleiros, não somos ingénuos, mas era nítido que um dos candidatos – Mitt Romney - era claramente o candidato pró-Wall Street, um conservador super-rico, um accionista de muitas empresas, envolvido com o mercado financeiro. Pelos vistos, parece que entre os que dizem pertencer aos 99% há muitos que defendem, por equívoco ou convicção, os tubarões de Wall Street.

O Presidente dos EUA e também, é bom lembrá-lo, Prémio Nobel da Paz, é um homem poderoso, mas não tão poderoso assim. O seu poder acaba onde começa o poder de Wall Street, o poder dos Conservadores, que mantiveram a Câmara dos Representantes, o poder do Tea Party, o poder dos 1%... que não é só 1%.

O Presidente dos EUA, assim como os presidentes de todos os outros Estados, são cada vez menos poderosos. O poder está cada vez mais noutro lado, e não é no lado da democracia.

sábado, novembro 03, 2012

Golfinhos no Tejo

                                                                                                                                         © AMCD
Já sei, já sei, que me perdoem os que se sentem ludibriados: "ce ne sont pas les dauphins".

São representações de golfinhos, pois claro.

sexta-feira, novembro 02, 2012

O mercado e a Constituição

O mercado e o contrato funcionam exactamente ao contrário um do outro e, de facto são duas estruturas reciprocamente heterogéneas.”

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70, 2010, pág. 342



Sempre que vemos aflorar o desassossego dos neoliberais – esses que querem pôr as leis do mercado a reger as relações sociais - com a Constituição, vem-nos à memória as palavras supra-citadas de Foucault sobre o antagonismo entre o mercado e o contrato. O mercado sempre foi avesso ao contrato e ao plano, e vice-versa. O mercado, ou os mercados, são volúveis, instáveis. Uns dias animam-se para logo de seguida, desanimarem. As cotações bolsistas oscilam, ora subindo, ora descendo, conforme os dias e os ventos que sopram. Nos mercados o lucro é perseguido a curto prazo, pois a longo prazo, dizem, estaremos todos mortos. E na verdade, os que tanto perseguem o lucro querem-no o mais rapidamente possível, pois sabem que mais tarde poderão já cá não estar.

As sociedades são mais lentas na mudança, as instituições apresentam um elevado grau de inércia e as suas próprias regras contratuais ou tácitas, as suas constituições, a Constituição, as tradições, etc. são por sua vez avessas ao funcionamento do mercado auto-regulado (que é o mesmo que dizer desregulado, porque a coisa não se regula a si mesma e por si só, e parece que assim será até ao fim dos tempos, quer queiramos, quer não). Assim, esses que tudo querem ver regido pelas leis do mercado, têm pela frente a inércia das instituições – sejam elas as religiões com os seus feriados religiosos, seja a Constituição, sejam as famílias ou até uma instituição tão simples como a da siesta, aqui na próxima mas não próspera Andaluzia. A Igreja, por exemplo, parece ter só agora percebido que errou ao permitir inscrever na Lei secular a palavra “supressão” dos feriados. Suplica agora, arrependida, ao ver o erro que cometeu - e talvez tarde demais - para que se substitua a palavra “supressão” por “suspensão”. Mas, ainda assim, parece não ter percebido que para os mercados o ideal seria que não existissem quaisquer feriados, santos ou não, e que se suprimissem ainda os sábados e os domingos rituais, e as igrejas, e a Igreja. E podíamos ainda acrescentar a sinagoga e a mesquita e as religiões respectivas e outras, das mais antigas instituições do planeta. A fábrica, a máquina, o mercado, não se compadecem, por exemplo, com suspensões ou paragens, cinco vezes por dia, para que os trabalhadores islâmicos mais devotos possam sair temporariamente para orar a Alá.

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E isto tudo para dizer que a Constituição é uma espécie de contrato que põe em causa o livre funcionamento dos mercados, em rédea solta, como querem os teólogos do mercado.

quinta-feira, novembro 01, 2012

Outra vez o Bagão, (agora no programa do Mário Crespo)

Ontem, no programa “Jornal das 9” da SIC Notícias, Mário Crespo (nem sei como ainda tenho pachorra para o ver) recebeu Hélder Rosalino, Secretário de Estado da Administração Pública, e antes da intervenção do Secretário de Estado, lá decidiu introduzir uma peça antiga, de 2010, em que o então Ministro das Finanças e da Administração Pública, Bagão Félix, argumentava falaciosamente que cerca de 70% da população portuguesa estaria de alguma forma dependente, directa ou indirectamente, do Estado (!). A dita peça pode ser vista, ainda que cortada em partes essenciais, que alguém quis esconder, AQUI.

Onde está a falácia? Está no facto de Bagão ter omitido que, na verdade, também o Estado depende dos que para ele trabalham e não só. O Estado, por exemplo, depende tanto do polícia, do professor, do juiz, da enfermeira, do militar etc., como estes daquele. Estes homens e mulheres vendem o seu trabalho ao Estado, exactamente porque o Estado precisa deles e não necessariamente o contrário, como argumentava o “brilhante” Bagão. Aliás, até os pensionistas, noutros tempos, quando trabalhavam e descontavam, também o Estado precisava deles e é por isso que agora têm direito à justa pensão. Mais, alguns dos que realmente dependem, ainda que de forma indirecta, do Estado, como as crianças ou os estudantes, também desses um dia o Estado precisará, ora como contribuintes, ora como funcionários ora como futuros cidadãos.

segunda-feira, outubro 29, 2012

As nomenklaturas

«The story of how political institutions developed cannot be told without understanding the complementary process of political decay. Human institutions are “sticky”; that is, they persist over time and are changed only with great difficulty. Institutions that are created to meet one set of conditions often survive even when those conditions change or disappear, and the failure to adapt appropriately entails political decay. This applies to modern liberal democracies encompassing the state, rule of law, and accountability as much as to older political systems. For there is no guarantee that any given democracy will continue to deliver what it promises to its citizens, and thus no guarantee that it will remain legitimate in their eyes.»

Francis Fukuyama, The origins of political order: from prehuman times to the French Revolution, Farrar, Straus and Giroux, 2011, p. 30.

«Still, let us not disarm, even in unsatisfactory times. Social injustice still needs to be denounced and fought. The world will not get better on its own. »

Eric Hobsbawm, Interesting times: a twentieth-century life, The Penguin Press, 2002, p. 489.

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Vivemos tempos de decadência política. O cheiro a pólvora já começa a invadir o ar. Sabemos que as instituições humanas tendem para a inércia, em particular as políticas, com os seus acomodados, as suas nomenklaturas, os seus apaniguados, tentando manter a todo o custo o status quo e a manter-se a si mesmos - que o digam os velhos deputados que se sentavam nos cadeirões do politburo. Quando tudo aquilo ruiu o tecto caiu-lhes em cima, para sua surpresa. A nomenklatura tenta a todo o custo manter o status quo, nem que seja iludindo enquanto pode a realidade, tentando em última instância, mudar tudo para que tudo fique na mesma, como dizia o Lampedusa. Mas não nos deixemos iludir. Nada voltará a ser como dantes e iludida andará a nomenklatura se pensa que tudo retornará. Terá o seu choque de realidade. E embora as instituições políticas, criadas para dar resposta a um conjunto de condições que já não existem mais, teimem em resistir, acabarão por entrar em ruptura no limite da decadência política. Enquanto as nomenklaturas persistirem neste impasse de auto-preservação ante uma realidade na qual já não encaixam, adiam apenas mais um pouco a inevitabilidade e o curso da história e da mudança, que já se fareja.

A mudança, lembra-nos Fukuyama, ocorre, mas só com grande dificuldade e sofrimento. Assim, se as nomenklaturas tentam entravar o curso da história, não nos surpreendamos. Resistem à mudança. Por isso lembramos as últimas palavras da biografia de Hobsbawm: "o mundo não se tornará melhor por si só". É nestes momentos que se impõe a acção dos homens e das mulheres que querem mudar o mundo para melhor, porque ele, por si só não mudará.

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Portugal é um país de nomenklaturas, não duvidemos. Há departamentos do Estado Central e nas Autarquias, por exemplo, onde ruminam famílias inteiras de instalados e de militantes partidários. É claro que assim é difícil mudar este estado de coisas. Todo o país está minado por este cancro e já cheio de metástases.

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É muito curioso ouvir agora da boca daquele que proclamou o fim da história e teceu loas às democracias liberais, a afirmação de que afinal, qualquer democracia liberal moderna já não pode garantir, nas actuais condições, aquilo que prometia aos seus cidadãos – e o grosso dos portugueses que o diga - e portanto já não oferece garantias de que permanecerá legítima aos olhos dos seus cidadãos. Se assim é, têm agora a palavra os cidadãos. É preciso trazer novamente legitimidade à democracia, pois não nos serve uma democracia ilegítima, que ao invés de responder aos anseios dos cidadãos, os castiga tiranamente e os priva do futuro. Os nossos governantes prestam contas aos poderosos do mundo financeiro e aos mercados e o grosso dos cidadãos fica para segundo plano. É isto uma democracia legítima?

sábado, outubro 27, 2012

As nuvens e a música, em Tavira, nos desertos e no mundo

Tavira                                                                                                                       © AMCD

As nuvens não nos abandonam neste Outono, mas estava uma tarde tranquila nas margens do Gilão. Entre o grasnar das gaivotas soava um clarinete ao longe. Alguém tocava na velha ponte. A caixa do instrumento pousada no chão tinha poucas moedas. À passagem, deitei-lhe uma moeda. Sem a música, a nossa vida nesta “terra devastada” seria insuportável.

«Formam uma constelação interessante [os que nos conseguiram dizer alguma coisa inovadora ou definidora sobre o que é a música]: Agostinho, Rosseau, Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche, Adorno. Uma escassez selecta. Poderá parecer-nos quase escandalosamente rara no que diz respeito a um fenómeno de uma realidade tão manifesta e universal como a música; a um fenómeno sem o qual, para inúmeros homens e mulheres, esta terra devastada e o nosso trânsito nela seriam provavelmente insuportáveis.»

George Steiner, Errata: Revisões de uma Vida, Relógio D’Água, 1997, p. 83

Pois sou um desses inúmeros homens de que fala Steiner, que não podem passar neste mundo sem a música. E ele diz mais:

«Diz-nos a antropologia filosófica, nas pessoas de Vico e Rosseau, que a música antecedeu a fala. Os pássaros cantam, bem como possivelmente certos mamíferos marinhos (apesar de só podermos suspeitar, sem termos a certeza, de que as suas canções comunicam significados específicos). Os ventos, as dunas e as rochas podem cantar. Já os ouvi no Negev quando a noite começa a arrefecer.  Schopenhauer afirma que se o nosso universo acabasse, persistiria a música – uma conjectura inconcebível a um nível racional ou empírico.»

                                      George Steiner, Errata: Revisões de uma Vida, Relógio D’Água, 1997, p. 84

Pois também estou com Schopenhauer: a música já cá estava e por cá ficará, mesmo quando o mundo acabar.

São famosas as canções ouvidas nos desertos. Também hoje, curiosamente, ao chegar a casa, abri um livro volumoso e tropecei por acaso num relato de um viajante, de nome Harry St. John Philby (1885-1960), que contava o que lhe sucedera ao subir uma duna no deserto Rub' al Khali:

«Quite suddenly the great amphitheater began to boom and drone with sound not unlike that of a siren or perhaps an aeroplane engine – quite a musical, rhythmic sound of astonishing depth. The conditions were ideal for the study of the sand concert, and the first item was sufficiently prolonged, perhaps four minutes, for me to take in every detail. The men working at the well started a rival and less musical concert of ribaldry directed at the Djinns (desert spirits) who were supposed to be responsible for the occurrence. »

Harry St John Philby, in Benedict Allen (edit), The Faber Book of Exploration, Faber and Faber, London, 2002, p. 369.

Paradoxalmente, os grandes desertos estão cheios de música e de espíritos, tal como o flamenco que soa nas guitarras espanholas, com o seu espírito voador, que surge sempre quando é tocado ou cantado, possuindo as dançarinas, arrebatando-as para a dança. Olé!

Tavira                                                                                                                           © AMCD

Uma nuvem gigante pairava sobre Tavira, ameaçadora. Passou tranquilamente. Como a tarde.

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