sábado, julho 29, 2023

Mercadejar

 Quem nunca mercadejou, que atire a primeira pedra.

Uma religião pop, uma religião kitsch, um Papa pop e cardeais muito pops

 

De facto, é impossível fugir ao kitsch, procurando refúgio na religião, quando a própria religião é kitsch. A «modernização» da Missa católica e do Livro de Oração anglicano foi, na verdade, um processo de kitschificação; e as intenções da arte litúrgica estão, hoje em dia, contaminadas pela mesma efemeridade. As cerimónias litúrgicas comuns das igrejas constituem um testemunho confrangedor de que a religião está a perder a sua orientação puramente divina, e a converter-se ao mundo da produção em massa.

Roger Scruton (1998)

A Cultura Moderna, Edições 70, 2021 pág. 125 (destaques nossos)

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Hoje temos uma religião pop, missas pop, Papa pop, bispos pop, cardeais pop, os portugueses, burgueses até ao tutano, tolentinos & aguiares. A aparição do Papa, em qualquer lugar, é celebrada como uma efemeridade, um grande evento de marketing religioso. Esta é a Era do Mercado, que tomou conta de tudo.  


terça-feira, julho 11, 2023

O país dos bufos


A Inquisição oficializada principalmente a partir da Contra-Reforma prolonga-se até ao século XIX em Portugal. O Pombalismo terá também essa faceta inquisitorial bem patente na sua polícia específica, assim como as décadas de vigilância fascista no século XX, ou, embora com aspectos bem distintos, o Estado democrático exerce também o controlo quase absoluto da sociedade nos últimos 50 anos.

A Inquisição transformou-se num modelo mental e estruturou de modo profundo o nosso plano de comportamentos, as dimensões morais e até judiciais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 140

 

Cumpre-se por obediência e medo, na maior parte das vezes irracional, não por respeito ou por se considerar que seguir determinado caminho é o mais correcto e eficaz. Mexericos e bisbilhotices, a má-língua no trabalho e na vizinhança, a pequena calúnia, são vestígios de uma cultura de resquícios inquisitoriais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 129

 

Continuamos a construir os nossos panópticos sociais sob a égide da governação do Partido Socialista.

Temos agora um Portal da Delação, digo, Portal da Denúncia (procedimento muito socialista e até nacional-socialista ou estalinista).


Maravilhoso mundo novo. Aos poucos a liberdade e a privacidade vão perdendo território para o controlo social. Que ideia maravilhosa essa a de os cidadãos controlarem os cidadãos.

Suspeito que alguns de nós têm no seu DNA um gene mais desenvolvido: o gene inquisitorial. Em Portugal a Santa Inquisição durou até ao século XIX. Um período tão prolongado de controlo das ideias não poderia deixar de marcar a genética social e a de muitos portugueses.

Com o Portal da Denúncia, far-se-á da pequena calúnia grande. Como a imagem sugere, o pequeno caluniador tem agora um altifalante para se fazer ouvir.  Para nosso bem e com cobertura governamental.

domingo, julho 09, 2023

Tordesilhas

 


Daqui.

A soberba desta gente. Nem se dão conta. Na sua cabeça o mundo pode perfeitamente ser dividido em dois, qual novo Tordesilhas. “O mundo é suficientemente grande para os EUA e a China”. É traçar um meridiano para que não se atropelem na sua hegemonia sobre os demais. Que grandes que eles são.

domingo, maio 28, 2023

sábado, abril 29, 2023

Balada para os poetas andaluzes de hoje

 «Me marché con el puño cerrado… Vuelvo con la mano abierta.»

RA


«Balada para los poetas Andaluces de hoy»


¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?

¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?

¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre, ¿pero dónde los hombres?

Con ojos de hombre miran, ¿pero dónde los hombres?

Con pecho de hombre sienten, ¿pero dónde los hombres?

Cantan, y cuando cantan parece que están solos.

Miran, y cuando miran parece que están solos.

Sienten, y cuando sienten parece que están solos.


¿Es que ya Andalucía se ha quedado sin nadie?

¿Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?

¿Que en los mares y campos andaluces no hay nadie?

¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta?

¿Quien mire al corazón sin muros del poeta?

¿Tantas cosas han muerto que no hay más que el poeta?


Cantad alto. Oiréis que oyen otros oídos.

Mirad alto. Veréis que miran otros ojos.

Latid alto. Sabréis que palpita otra sangre.

No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo

encerrado. Su canto asciende a más profundo

cuando, abierto en el aire, ya es de todos los hombres.


Rafael Alberti.


De: «Ora marítima» –  1953


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Balada para os poetas andaluzes de hoje

 

Que cantam os poetas andaluzes da agora?

Que olham os poetas andaluzes da agora?

Que sentem os poetas andaluzes da agora?

 

Cantam com voz de homem, - mas onde estão os homens?

Com olhos de homem olham, - mas onde estão os homens?

Com peito de homem sentem, - mas onde estão os homens?

 

Cantam e quando cantam parece que estão sós.

Olham e quando olham parece que estão sós.

Sentem e quando sentem parece que estão sós.

 

Será que a Andaluzia está já sem ninguém?

Nos montes andaluzes não haverá ninguém?

Nos mares e campos andaluzes não haverá ninguém?

 

Não haverá já quem responda à voz do poeta?

Quem olhe o coração sem muros do poeta?

Tantas coisas morreram que não há mais que o poeta?

 

Catai alto. Ouvireis que ouvem mais ouvidos.

Olhais alto. Vereis que olham outros olhos.

Pulsai alto. Sabereis que palpita um outro sangue.

 

Não é mais fundo o poeta em seu subsolo escuro

encerrado. Seu canto ascende mais profundo

quando, aberto, no ar, é de todos os homens.

 

Rafael Alberti (trad. por José Bento)

Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio e Alvim, 1985


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Nunca

Ken Follet, Nunca, Editorial Presença, 2021

ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ


O fim é certo como o destino.

(E nada mais me apraz dizer. Apenas que é uma boa leitura e que entretém)

sexta-feira, abril 28, 2023

O Douro


      Porto, Dezembro de 2022                © AMCD

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        O Douro

 

        Não é a tristeza que encontro

        Quando caminho pela margem

        Do Douro, no Porto.


        O seu vinho, as suas gentes e os verdes olhos das minhotas,

        Aquecem-me o coração.


        Nem o céu plúmbeo

        Me pesa.


        Ali consigo esquecer a dor.

        Como um ópio que me invade o corpo,

        Uma aguardente.

        Esqueço tudo,

        Até a solidão.

quinta-feira, abril 27, 2023

Píncaro adiado

 

      Serra da Estrela, Abril de 2023                                                          © AMCD


No píncaro do território de Portugal Continental jazem duas torres degradadas e uma promessa recente: “Investimento de €30 milhões cria um observatório, residências científicas, áreas comerciais e um teleférico para ligar três aldeias do maciço central”. Assim reza o subtítulo da notícia do semanário Expresso. Reparai no tempo do verbo criar. Deveria ler-se “criará” ou “irá criar”. Não! A coisa já está feita!

Eis o expoente máximo de um país, num dos seus lugares mais simbólicos: degradação e promessas. 

Amanhã é que é.

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