terça-feira, outubro 09, 2012

segunda-feira, outubro 08, 2012

Em democracia, há sempre alternativa!



«Este é um passo muito importante na construção da paz na Venezuela, da convivência de todos nós! (…)
Quero fazer-vos um apelo à unidade nacional e ao trabalho conjunto! Quero por isso fazer de novo um reconhecimento especial à liderança adversária que não se prestou aos planos desestabilizadores que alguns acarinhavam! É assim que se joga a democracia, impondo a voz da maioria, respeitando a voz da minoria!»

Hugo Chávez à multidão, no seu discurso de vitória, (os sublinhados são nossos). AQUI.

Certos historiadores e opinion makers intelectualmente desonestos, tendenciosos e ideologicamente comprometidos, escrevem as suas histórias deturpadas que a realidade, por vezes, rapidamente se apressa a desmentir. Leia-se, por exemplo, o que escreve o historiador Niall Ferguson sobre o “demónio” Chávez, no seu Civilization, The West and the Rest[1]. É preciso ler esta gente com espírito muito crítico. Queira-se ou não, Hugo Chávez é presidente da Venezuela, democraticamente eleito, num sistema pluripartidário. Não é um ditadorzeco sul-americano, como muitos nos querem fazer crer. É um democrata!

Para que não haja dúvidas, aqui ficam os resultados homologados pela Comissão Nacional de Eleições da Venezuela:

"O candidato Hugo Rafael Chávez Frías, obteve 7.444.082 (54,2%) votos, o candidato Henrique Capriles Radonski, obteve 6.151.544 (44,97%). A candidata Reina Sequera obteve 64.281 votos (0,46%). O candidato Luís Alfonso Reyes 7.372 votos (0,05%). Maria Josefina Bolívar obteve 6.969 votos (com 0,05%) e Orlando Chirinos 3.706 votos (0,02 por cento)", disse, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela.”

É caso para dizer, também entre nós: em democracia, há sempre alternativa!

Basta que o queiramos, sem medo.



[1] Obra editada em Portugal: Niall Ferguson, Civilização – O Ocidente e os Outros, Civilização Editora, 2012.

domingo, outubro 07, 2012

Não é a relíquia que faz a fé, mas a fé que faz a relíquia


«Quando se visita um tesouro não é necessário aproximarmo-nos das relíquias com espírito científico, senão arriscamo-nos a perder a fé, porquanto notícias lendárias relatam que no século XII, numa catedral alemã, se conservava o crânio de São João Baptista com a idade de 12 anos.

(…)

Em suma,  não é a relíquia que faz a fé, mas a fé que faz a relíquia.»

Umberto Eco, Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais, Gradiva, 2011, Pág. 96.

Roma

© AMCD

sexta-feira, outubro 05, 2012

O maravilhoso mundo plano*


Nas palavras de George Steiner, esse maravilhoso mundo do capitalismo benfazejo, hoje globalizado, no qual “o progresso irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados acabando por tocar todos os homens” e que tanto deslumbra Thomas Friedman, não passa de um sarcasmo. Já em 1971 quando Steiner escreveu o que escreveu, não passava de um sarcasmo. Mas Friedman, que anunciou ao mundo em 2005, que o mundo era plano devido à globalização capitalista, facto que proporcionaria a todos um progresso nivelador, não deve ter lido Steiner. Pelo menos não consta da bibliografia.

Disse Steiner:

«Sabemos hoje, enquanto Adam Smith e Macaulay o não sabiam, que o progresso material participa numa dialéctica de destruição concomitante e que devasta irreparavelmente os equilíbrios entre a sociedade e a natureza. Os progressos técnicos, soberbos em si próprios, têm contribuído activamente para a ruína dos sistemas vivos elementares e das condições ecológicas do mundo. O nosso sentido do movimento da história já não é linear, mas o de uma espiral. Somos hoje capazes de conceber uma utopia tecnocrática e higiénica funcionando num vazio de possibilidades humanas.
O segundo aspecto do sarcasmo refere-se a um contraste. Já não admitimos a projecção, implícita no modelo clássico do capitalismo benfazejo, segundo a qual o progresso irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados acabando por tocar todos os homens. As obscenidades supérfluas das sociedades desenvolvidas coexistem com o que parece ser um estado de fome endémico em grande parte da Terra. Com efeito, o progresso quanto às esperanças de vida individual e à duração desta, proporcionado pela tecnologia médica, alimentou o ciclo do excesso populacional e da fome. Muitas vezes, os bens e circuitos de distribuição necessários para a eliminação da fome, da miséria, encontram-se a postos, mas a inércia da cupidez ou da política não permitem a sua utilização. Em demasiados casos a nova tecnocracia não é só destruidora dos valores anteriores e alternativos como cruelmente incapaz de tudo o que não seja exercer-se em vista do lucro no seu horizonte limitado. Assim ficamos numa posição ambivalente, irónica, frente ao dogma do progresso e ao prodigioso bem-estar do qual somos tantos a fruir, hoje em dia, no Ocidente tecnológico.»

George Steiner, No Castelo do Barba Azul – Algumas Notas para a Redefinição da Cultura, Relógio D’Água, 1992. P.77-78.

(*) Referência à obra de Thomas Friedman (2005),  O Mundo é Plano: uma Breve História do século XXI. Actual Editora.

O último Dia da República?


E não nos venham agora dizer, que é Dia da República sempre que o homem quiser.

Aí está o Dia da República, pela primeira vez na sua história, comemorado à porta fechada. Os representantes do povo de costas viradas para o povo. Bonito. Que os vejam pela TV. E o primeiro-ministro ausente, em plena viagem fugidia, foge do povo, da República, foge da República no último Dia.

Bom seria que em resposta, à mesma hora que lá dentro se engalanassem os discursos, o povo, cá fora, na Praça do Município, montasse palanque, e quem quisesse, livremente, da multidão ao palanque subisse, e fizesse o seu discurso laudatório e sorrisse.

Que se gritassem mil vivas à República!

quarta-feira, outubro 03, 2012

A verdadeira magnitude do problema


Os rendimentos do trabalho, entre outros, continuam a ser sugados, como se confirmou hoje, mais uma vez. Essa subtracção com origem na expansão descontrolada da super-bolha especulativa de 2008 – um autêntico buraco negro criado inadvertidamente pela especulação financeira na qual se envolveram os bancos e outras instituições financeiras, arrastou atrás de si, inicialmente, os “fundos de pensões dos trabalhadores, as poupanças das famílias, as primeiras e segundas amortizações e as reservas bancárias” (Edward Soja, 2009). O capital financeiro desbaratado na economia de casino especulativa superou então, em valor, a soma do PIB de todos os países do planeta. E é esta a verdadeira magnitude do problema. Esta é a razão de fundo pela qual são cada vez mais atingidos os salários e outros rendimentos gerados na economia real assim como as pensões. Tudo é sugado para esse buraco negro, pois os bancos e as instituições financeiras precisam recuperar as suas perdas. Contudo, o buraco é demasiado grande e é por isso que esta história não acaba aqui…

 Aguardemos os próximos capítulos.

Abaixo traduz-se um excerto de um texto de Edward Soja (2009), sobre a verdadeira magnitude do problema (optou-se por inserir depois o excerto original, pois a tradução pode conter sempre imperfeições, pelo que se sugere a consulta do original).

Diz então Edward Soja (2009):

«O que aconteceu em 2008 girou em torno desta versão enormemente expandida e distorcida do capital financeiro, melhor definido através do acrónimo largamente usado FIRE – “Financial services, Insurance and Real Estate” (serviços financeiros, seguros e imobiliário). A contribuição do sector FIRE para o produto interno bruto e para o emprego geral, cresceu a uma taxa extraordinária nas últimas três décadas, contudo o seu de desenvolvimento para lá dos limites normais da economia real foi ainda mais extraordinário. A “bolha” da economia baseada no crédito foi-se insuflando com triliões de dólares agravada com valores de troca fictícios na forma de “hedge funds, credit default swaps, private equity funds” e outras formas electronicamente recicladas de dinheiro e crédito. A actividade bancária tradicional, a qual tinha sido tão drasticamente reestruturada e reorganizada ao longo dos últimos vinte anos ao ponto de tornar-se quase irreconhecível, foi absorvida pela bolha em expansão a qual se tornou muito maior do que a combinação de todos os produtos internos brutos de todos os países da Terra.
Os fundos de pensões dos trabalhadores, as poupanças das famílias, as primeiras e segundas amortizações e as reservas bancárias – qualquer fonte de capital, ainda não absorvida pelos investimentos de alto risco, foram sugados por esta super-bolha virtual e desregulada dos serviços financeiros, seguros e imobiliário. A ideologia neoliberal, posta em prática nos anos Tatcher-Reagan e acelerada nas últimas duas décadas, espalhou o evangelho da privatização, da desregulação, do “pequeno” governo, [o que abdica da sua função de estado social ou apoio social], da magia do mercado em quase todo a parte no mundo, facilitado pela revolução das tecnologias de informação e comunicação, transmitido através da globalização do capital, do trabalho e da cultura, e mantido por exércitos ideológicos de spin doctors. Quase toda a gente acreditou. Afinal, a palavra “crédito” deriva da palavra latina credo, ou seja, “acredito”.»

Edward Soja, “Resistance after the Spatial Turn” in
Jonathan Pugh (Edit.), What is Radical Politics Today?, Palgrave Macmillan, 2009, pág. 70-71

(traduzido por AMCD, os sublinhados são nossos)

Segue-se o original:

terça-feira, outubro 02, 2012

Eric Hobsbawm

Eric Hobsbawm (1917-2012)

Outro Mestre que parte (partiu ontem). O da Era dos Extremos e doutras Eras que estudou e que nos deu a conhecer. Era o melhor historiador britânico da actualidade. Metia o Sr. Niall Ferguson no bolso. Marxista. Para Hobsbawm a Era dos Extremos teve origem em 1914 e cessou em 1991. O eclodir da Iª Guerra Mundial e o fim da URSS eram os marcos que limitavam o século XX de Hobsbawm. Quais cem anos?!

Neste blogue Hobsbawm já nos tinha servido de inspiração. AQUI.

Que descanse em paz.

domingo, setembro 30, 2012

Enquanto dormimos vamos sendo despojados


«à vista de um país que ardeu como nunca, atiçado pelos eucaliptais, pretende [o Governo] abrir às celuloses as zonas de Reserva Agrícola Nacional, que elas há tanto tempo cobiçam; e que se prepara para, de forma cobarde e sinuosa, entregar a Reserva Ecológica Nacional à especulação imobiliária, começando por dispersar a respectiva lei por várias outras leis (cada uma das quais abrindo excepções e alçapões à medida), e por dispensar de autorização, para já, as “pequenas construções” de “apoio agrícola” e etc. (o que rapidamente se traduzirá em golfes, aldeamentos turísticos, juro-vos eu).»

Miguel Sousa Tavares, “Yale, Campo de Ourique”, Expresso, 29 de Setembro de 2012

Na sanha de tudo vender, tudo privatizar, tudo tornar mercadoria, o Governo vira-se agora para as reservas de território que permaneciam relativamente incólumes e protegidas da voracidade da especulação: a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional. O território que se reservava à agricultura e ao ambiente é agora entregue aos amigos das celuloses e aos dos campos de golfe. Um verdadeiro governo ao serviço das grandes interesses empresariais e especulativos, contra os cidadãos, avança com a neoliberalização do território, de forma cobarde e insidiosa.

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