segunda-feira, dezembro 03, 2012

Nem Roma, nem Império, nem Israel.

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O Arco de Tito, construído em 81 d.C., em Roma, celebra o triunfo sobre a Judeia e a destruição do Templo de Jerusalém, em 70 d.C., pelos romanos. Num pormenor, pode observar-se um grupo de soldados transportando a Menorah (candelabro de sete braços) entre outros despojos do saque.


Hoje, na verdade, “os romanos” são outros e Israel vive com a anuência do Império que a consente e apoia. As questões são por isso agora outras: até quando sobreviverá este Império? E sobreviverá Israel à queda do Império que agora a suporta?

Ouvi um dia, pela primeira vez, estas palavras da boca do falecido Arafat (e garanto que foi pela primeira vez e por isso as retive): “Não há força que sempre dure”. Nem Roma, nem Império, nem Israel.

O peido mais funesto da história universal


Em homenagem ao Sr. Benjamin Netanyahu, que autorizou a construção de três mil casas na parte Leste da Cidade Santa e Cisjordânia, logo após a obtenção do reconhecimento da Palestina como Estado observador não-membro da ONU, com o apoio de 138 Estados, entre os quais Portugal. Como é óbvio, a pacificação da região não se alcança com decisões que implicam a construção de mais colonatos. Pelo contrário, tais decisões acirram mais ainda os ânimos da guerra e os ódios.

O que nos faz pensar que a esta gente – sionistas conservadores do Likud e alguns fanáticos que julgam pertencer ao povo eleito de Deus - tem de ser recordada a sua posição, posição essa que, nem é mais elevada nem é mais baixa do que a posição dos outros povos. Por outras palavras, e para sermos mais exactos, não acreditamos em povos eleitos e abençoados por Deus, ou qualquer deus que seja. Qualquer povo que seja. É claro que muito admiramos Albert Einstein, George Steiner, Stefan Zweig, Hannan Arendt, Eric Hobsbawn, Tony Judt e muitos outros judeus, mas tal admiração não implica que abandonemos essa ideia de que é tão importante, como ser humano, por exemplo, tanto um bosquímano como um judeu, aos supostos “olhos do Senhor”. Aliás, provavelmente a maioria judeus, também não embarca nessa história.

Ainda assim, invocamos aqui uma passagem de um texto de Peter Sloterdijk, que nos remete para outros tempos, quando o orgulhoso e cínico domínio romano na região mostrava aos supostos eleitos de Deus a sua posição naquela época.

Diz o filósofo Peter Sloterdijk:

«O peido, entendido como sinal, mostra que o baixo-ventre está em plena acção e isso pode ter consequências fatais nas situações em que toda e qualquer alusão às esferas desse género é absolutamente indesejada. Ernst Jünger notava no seu Diário Parisiense sobre a leitura de uma passagem da Guerra dos Judeus do historiador Flavius Josephus:

«Voltei a ir dar à passagem que descreve o início da agitação em Jerusalém sob o governo de Cumano. Enquanto os Judeus se reuniam para a festa do pão ázimo, os Romanos colocaram por sobre o pórtico do templo uma coorte a fim de manter a multidão sob observação. Um dos soldados levantou o manto e, voltando com uma reverência irónica o posterior para os Judeus, «emitiu um som indecente correspondente à sua posição». Foi motivo de um conflito que custou a vida a dez mil homens, de modo que podemos falar do peido mais funesto da história universal.» (Strahlungen, II, pp. 188-189)

O cinismo do soldado romano, que se peidou de forma politicamente provocatória e «blasfematória» no Templo, tem um paralelo no comentário de Jünger que faz a transição para o domínio do cinismo teórico.»

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 203.

sexta-feira, novembro 30, 2012

Pátria & Réplica

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Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras...

Miguel Torga, Diário, Vol. II
(Gerês, Pedra Bela, 20 de Agosto de 1942)

***

Réplica

Também aqui as serras, mas sem fragas,
São como vagas petrificadas,
Que nos embalam e enlaçam
No torpor das madrugadas.

Afinal, pensávamos nós,
Que estávamos sós defronte do mar.
Tão equivocados estávamos,
Pois nele já nos encontrávamos.

Por isso nos era ele tão familiar.

No mar lançámos os nossos fados.
E do mar colhemos tornados.

Não!
Este não é o Algarve que julgávamos conhecer.
Do mar insondável, por vezes,
Soavam murmúrios ao entardecer.
Almas familiares de velhos pescadores.
Agora, rodopiantes tornados,
avassaladores...

                                                                  AMCD

quinta-feira, novembro 29, 2012

Vacas e paixões


A minha convicção de que as vacas têm campos mas que as paixões em movimento são o privilégio da mente humana voltou-se desde sempre contra mim.”
George Steiner
 Errata: Revisões de uma Vida, Relógio D’Água, 2009, p. 185

Acabei hoje de ler a Errata. Grande Errata, grande Steiner, grande vida. 

quarta-feira, novembro 28, 2012

Tem razão, o Bagão.


Ouvi-o no caminho para o trabalho e gostei de o ouvir.

Na Antena 1, no Conselho Superior, disse qualquer coisa como isto:

Tudo o que mexe apanha (com o imposto). Aqui não há tangentes, há secantes (ou seja, ninguém "escapa à tangente").

Disse Bagão que é uma situação única do mundo, que devia vir no Guiness, essa de os pensionistas com rendimentos iguais ou superiores a 1350 euros pagarem mais imposto do que um activo com o mesmo rendimento...Uma violação grosseira do princípio da igualdade.

Disse isto e disse muito mais.

Na íntegra pode ser ouvido AQUI, em podcast.


Algumas vezes aqui o contestámos (aqui e aqui). Mas hoje o Bagão tem razão, excepto no facto de meter os estivadores no mesmo saco que os banqueiros. Mas fora esse pormenor, tudo bem.

Um buraco maior que o mundo

(Fotografia, tirada daqui)



Lido AQUI, no excelente blogue - e nada chato - Xatoo.

Já nos tínhamos dado conta deste buraco financeiro maior do que o mundo, aqui. Na verdade, não é um buraco colossal, é um abismo universal, um sorvedouro do rendimento dos trabalhadores, dinheiro ganho com o suor do rosto de mulheres e homens que trabalham diariamente e nisso se ocupam, alheios aos que nas suas costas fazem negociatas que os oneram,  porque como bem diz o Xatoo, "cerca de 75% da tributação entregue ao Estado provém de impostos colectados sobre os trabalhadores". Os contribuintes que trabalham estão por isso a ser convocados injustamente para tapar um buraco que não é da sua responsabilidade, com a conivência de governos por si eleitos, mas que, uma vez no "Poder" (entre aspas porque o poder já não mora ali), passam a servir outros interesses. São estes governantes, verdadeiros parasitas da democracia, porque se alojam no corpo do Estado e o sugam até ao tutano, sugando os rendimentos de quem trabalha, sugando o rendimento dos contribuintes, muito para além do que é razoável e justo. Aniquiladores do estado democrático, aniquiladores do Estado Providência, que cada vez mais, providencia menos, até definhar, como é da natureza dos corpos parasitados. E pior do que isso, é a própria democracia que definha.

***

Uma vez mais se impõem estas questões: quem são os responsáveis por esta situação? Quem é o responsável? Quem defendia um mercado auto-regulado, ou por outras palavras, um mercado desregulado? Quem venceu com a desregulação do mercado?

Já sabem agora os portugueses, o que é o neoliberalismo?

terça-feira, novembro 20, 2012

Bonança

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Tempestade

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domingo, novembro 18, 2012

A negação da negação


«Pedro Passos Coelho garantiu esta segunda-feira [junto a Merkel] que o caminho que está a ser seguido por Portugal, no que respeita ao processo de ajustamento, é “o único possível”.»  AQUI

***

E Passos Coelho insiste, insiste e insiste… desde que chegou ao Governo que nos confronta, sempre, com o discurso tatcheriano da suposta ausência de alternativas (Sócrates já o tinha feito, como referimos aqui). Muitos comentadores neoliberais alimentam este discurso do “não há alternativa”, e até Cavaco Silva aponta nessa direcção quando defende que Portugal só tem um caminho, muito estreito, para a saída da crise. Ou seja, encontramo-nos perante qualquer coisa inevitável como a morte.

Face a esta constatação brutal, alguns comentadores, na sua análise, aplicam agora com agrado e fé, o modelo de Kübler-Ross à sociedade portuguesa. Face à inevitabilidade dos sacrifícios e ao empobrecimento forçado, a sociedade portuguesa encontrar-se-á numa das cinco fases sequenciais do referido modelo que se aplica às pessoas, quando confrontadas com doenças terminais. São elas: negação, fúria, negociação, depressão e aceitação. Ou seja, de acordo com este modelo, a sociedade portuguesa acabaria, como se de uma pessoa em estado terminal se tratasse, por, mais tarde ou mais cedo, aceitar os sacrifícios que lhe são impostos, deixando por fim de lutar. As reacções violentas e as manifestações de repúdio às medidas orçamentais corresponderão, segundo alguns comentadores, já à fase da manifestação da fúria, outros referem ainda que estamos na fase de negação, uma vez que a peleja ainda não assumiu uma maior virulência. Mas, mais tarde, pensam esperançosamente alguns, a sociedade amansará, depois de um longo período de depressão e por fim, como dissemos, submeter-se-á.

Ora a psicologia parece que está na moda. Merkel na sua breve visita lembrou que “a política económica é 50 por cento psicologia”, e o jornalista Perez Metelo pegou na deixa e concluiu, por sua vez, que a visita de Merkel a Portugal foi, na verdade, 100% psicologia. A questão é então a seguinte: como poderemos escapar a esta ditadura da psicologia e também à outra, a que dita que não há alternativa?

Ao relermos um capítulo da obra de Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, deparámos, por acaso, com uma resposta, na seguinte passagem a propósito da necessidade de criar um novo campo numérico – o campo racional -, visando a resolução de problemas até então insolúveis:

Uma generalização passa sempre, por consequência, pelo ponto fraco de uma construção, e o modo de passagem é a negação da negação; tudo está em determinar e isolar, com cuidado, esse ponto fraco. O campo desta operação não se limita às ciências matemáticas; ele abrange não só as denominadas ciências da natureza como as ciências sociológicas; duma maneira geral, pode dizer-se que – onde há evolução para um estado superior, é realizada a negação duma negação.

Bento de Jesus Caraça,
  Conceitos Básicos da Matemática, Gradiva, 1998. Pág. 37

Percebemos bem? A sociedade portuguesa está em negação? Pois é preciso passar a um estado superior, nem que seja criando uma coisa nova, como fizeram os matemáticos com o campo racional, e romper de vez com essa generalização da “alternativa única”, que nos querem impor irracionalmente. Como? Negando a negação e encarando a realidade de frente. Não dar sequência a esse modelo funesto da cientista Kübler-Ross. Que coisa nova seria essa? Por exemplo, uma saída do Euro, ou, uma resposta educada à Sr.ª Merkel para que ficasse ela com a tranche que nos garantiu que viria, e que a guardasse onde bem entendesse, que nós por cá nos governaríamos, para bem ou para mal, como fizemos sempre ao longo de quase 900 anos. Isso sim, seria corajoso! Seria trágico? Talvez. O céu cair-nos-ia em cima da cabeça? Talvez. Mas sempre ouvimos dizer e acreditamos que mais vale morrer de pé do que viver de joelhos. E assim, também essa última fase do modelo da senhora Kübler-Ross ficaria comprometida na sua realização. Em vez de aceitação, luta! Luta sempre, até ao fim!

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