sexta-feira, fevereiro 01, 2013

A consciência da inconsciência

«A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência.»

Fernando Pessoa

«Há quem viva sem dar por nada, há quem morra sem tal saber

José Afonso

quinta-feira, janeiro 31, 2013

A euforia dos insensatos


Leio o Expresso do último sábado aos pingos ao longo da semana, que os trabalhos e os dias não permitem leituras mais demoradas e, quase surpreso, deparo a páginas tantas, lá mais para o fundo do jornal, com a euforia mal contida de alguns opinion makers de serviço. Parece que o regresso antecipado aos mercados deixou as suas marcas nesta gente. Um dos escribas – o Martim Figueiredo - tece agora loas ao Chile, imaginem só. Que aquilo é que é um país onde brota o leite e o mel por todo o lado, uma autêntica terra prometida onde todos adoram viver. Fosse Portugal o Chile, e os nossos dirigentes clones de José Piñera, nada mais, nada menos, do que o Ministro do Trabalho do ditador Pinochet e Portugal seria “um dos países mais competitivos do mundo”. Mas, para mal dos pecados do escriba, ninguém tem a “têmpera” de um tal ministro neste país. O opinion maker lá refere no entanto que no Chile “os mais favorecidos são ainda 14 vezes mais ricos do que os menos favorecidos”. Não sei onde foi buscar este número, mas se consultarmos o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011 disponível no portal do PNUD, podemos verificar na tabela 3, página 155 que o Chile detém um dos mais elevados valores do Índice de Gini do mundo – um indicador que mede a desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres – que é, nesse país, de 52,1 (a título de exemplo mencione-se que o mais elevado valor registado ocorre no Haiti, 59,5 e o mais baixo na Suécia, 25; em Angola é só 58,6). É justo, pensará o escriba. É o preço da “liberdade para escolher”. Uns têm e outros não, ora essa. E viva o neoliberalismo, que regressámos aos mercados! E viva o Chile! E viva o Haiti! E viva Angola! Mas quando é que Portugal se torna um destes paraísos? Muito tempo não há de faltar.

Mais adiante, encontro outro escriba habitual, lá nos fundos da revista – o Henrique Monteiro, na sua crónica do Comendador Marques Correia – num tom jocoso, irónico e de regozijo, a gozar com o discurso anti-neoliberal, anti-mercados, anti-capitalista. Afinal o euro agora está forte frente ao dólar e a taxa de juro da dívida pública a 10 anos a descer para a casa dos 5% e por isso estamos safos, julgará ele pela forma como escreve. O capitalismo está salvo! E viva o neoliberalismo uma vez mais, que agora regressámos aos mercados. Agora é que é, e lá está a luz ao fundo do túnel. Será um comboio?

Como se a taxa de juro da dívida pública a 10 anos descesse para todo o sempre e o euro se reforçasse em relação ao dólar para todo o sempre.

Onde está a insensatez nestas posições?

Se alguma coisa aprendi neste jogo, é que os mercados financeiros são volúveis. Governar países com a preocupação de agradar aos mercados significa governar para o curto prazo, significa o sacrifício do futuro, porque a ambição de quem especula nos mercados é ver ganhos imediatos, custe o que custar.

Mas enfim, as cotações estão em alta! Está tudo “no verde”! Eia! Vivam os mercados! Viva o Chile! Viva o Piñera do Pinochet! E, ui ui o neoliberalismo, que mau que ele é, gozam jocosamente.

Amanhã, quando as tendências se inverterem, quando as cotações estiverem “no vermelho” e os juros da dívida tornarem a subir, cá estarei para os ouvir cantar.

A tempestade ainda não passou, nem vai passar tão cedo.

Pica pica

Pega (Pica pica)

terça-feira, janeiro 29, 2013

A estrada e a estalagem

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego in Obras de Fernando Pessoa, Vol. II, Lello & Irmão, Porto, 1986. Pág. 550-551

“A estrada é sempre melhor do que a estalagem.”
Cervantes

***

A vida sempre pode ser concebida como uma estalagem ou como uma estrada. Quixote fez-se à estrada e, por vezes, parava nas estalagens que confundia com castelos. Bernardo Soares aguardava na estalagem, sem pressa, a chegada da diligência do abismo do qual nada se sabe.  Sabemos apenas que quando o olhamos ele nos devolve o olhar, mais penetrante ainda, e nos indaga. Estremecemos então. Persignamo-nos. Oramos: “Mesmo que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo” Sl. 23… Além está o vazio e aqui mora o horror ao vazio.

Ora, parece que finalmente estamos de acordo

Campos e Cunha, cujas palavras noutra ocasião já foram aqui alvo de crítica, afirma agora que “o documento do Fundo Monetário Internacional faz um diagnóstico distorcido e avisa que a redução da despesa não pode ser feita através de cortes cegos.” Aqui, na Antena 1. Ora, parece que finalmente estamos de acordo, embora tal conclusão seja já consensual no país, excepto entre os que nos governam, que classificam o relatório de "bom".

E diz ainda que “sem reforma do sistema político, vejo com muito cepticismo a possibilidade de fazermos uma reforma da administração pública". Aqui. De acordo, uma vez mais.

Na verdade, é maior o escrutínio que se faz para contratar um condutor de ambulâncias do INEM do que o que se realiza para escolher um político para um cargo na governação do país ou de um partido político maioritário. O resultado está à vista, o espaço político institucional foi invadido por incompetentes, vigaristas, gente sem ética, cínicos e canalhas.

Gente que utiliza os partidos (em particular os do famoso “arco do poder” ou “da governação”) para ascender e chegar-se ao poder (ao “pote”, dizem alguns deles), pensando em primeiro lugar em servir-se a si, em servir os seus amigos e clientelas, os lobbies que representam, e só depois, muito depois, os cidadãos comuns.

É óbvio que o sistema político deve ser reformado em primeiro lugar. Os partidos deveriam ser “imunizados” contra estes elementos, que se servem deles como cavalos e Tróia para alcançarem os seus intentos e satisfazerem as suas ambições pessoais, sem olharem a meios. Os candidatos a lugares de topo nos partidos e no país deveriam ser muito bem escrutinados – o seu passado, o seu presente -, antes de assumirem tais posições.

Não seria o fim dos vigaristas na política, mas cremos que a qualidade da democracia melhoraria bastante.

Afinal, ninguém gosta de ser governado por vigaristas e incompetentes, muitos dos quais lhes basta aguardar que o poder lhes caia no colo, que é uma questão de tempo, dizem eles.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Este país não é para portugueses.

Noticia o Expresso, aqui:


Os portugueses sem dinheiro, os pobres e os desempregados, são convidados a emigrar. Os estrangeiros endinheirados - os da classe ociosa e super-rica - são convidados a residir em Portugal. Temos residências de luxo, campos de golfe e um céu quase sempre azul, mesmo no Inverno. Tudo no Allllllllgarve.

Decididamente, este país não é para portugueses.

domingo, janeiro 27, 2013

Uma boa notícia da semana passada, que não nos passou despercebida

De acordo com uma notícia do Público, a taxa Tobin “pode entrar em vigor para 11 países da U.E.”, um dos quais Portugal. Lamenta-se porém que nos encontremos ainda no campo das possibilidades, como bem evidencia a notícia (aqui os destaques a negrito são nossos). É também evidente a falta de coragem, que se manifesta através de adiamentos, hesitações e descoordenações – “o comissário europeu da Fiscalidade afirmou já que não espera que o imposto entre em vigor ao nível dos 11 países da cooperação reforçada antes de 2014”. Ora, quando se trata de taxar o capital financeiro, parece que todas as cautelas são poucas, já quando se trata de taxar o trabalho, é fartar vilanagem.


Vamos então estar atentos à coragem do governo português, e ver se faz aquilo que pode. Mas não sejamos ingénuos: neste caso, e com esta gente, é ver para crer, como dizia São Tomé.

Não deixa contudo de ser uma boa notícia, uma vez que “a chanceler alemã, Angela Merkel, sugeriu em Outubro que as receitas sejam usadas para financiar países em dificuldade.” E Portugal é um deles.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

Voltámos aos mercados. Rejubilemos!


Portugal foi aos mercados. Aleluia! Que bom é para Portugal e para todos nós, portugueses. Agora é que vai ser: o número de pobres reduzir-se-á, os desempregados tornar-se-ão residuais, as desigualdades sociais esbater-se-ão, e cessará a emigração por razões económicas. Finalmente as obras iniciadas serão terminadas: túneis (o do Marão, por exemplo), auto-estradas, (o IP8, por exemplo), linhas de caminho-de-ferro (o ramal da Lousã, por exemplo), as escolas inacabadas (as do Parque Escolar, por exemplo) pontes (a terceira travessia do Tejo, por exemplo), o novo aeroporto de Lisboa, a linha do T.G.V. e mais o T.G.V. e etc., etc., etc. Finalmente, agora sim, é que vão retirar as medievais portagens das auto-estradas, essas taxas que sufocam a competitividade das nossas empresas, e que tornam todos os lugares do país mais distantes, se considerarmos a distância-custo. Enfim, agora é que o país vai crescer, mas a taxas superiores a 3% ao ano, porque, como é sabido, taxas de crescimento positivas inferiores a 1% não criam necessariamente emprego. Agora é que é: o desemprego e o empobrecimento vão desaparecer dos nossos horizontes. Vão devolver-nos tudo o que nos roubaram em taxas e impostos, para não falar em direitos a que muitos chamaram, maldosamente, regalias.

Portugal voltou aos mercados. Rejubilemos! Aleluia! Aleluia! Aleluia!


terça-feira, janeiro 22, 2013

O Verbo


Ninguém lê o que escrevemos. E depois? Fica escrito! E quando partirmos, ficou escrito! E quando o vento varrer o que escrevemos e as palavras se perderem para sempre nas areias do tempo, o que importa é termos escrito. O que importa é termos passado das palavras aos actos e dos actos às palavras. E esse acto, o de termos escrito, ninguém poderá apagar. E sempre poderemos dizer: ousámos lançar palavras ao vento e lançámo-las. As palavras não morrem. O Verbo já cá andava. No princípio já existia o Verbo. E o Verbo ficará, mesmo que tudo se suma num longo silêncio.

***

Para esclarecimento, remetemos para o poema de Alfonso Canales, O Discurso de César às Legiões, que termina assim:

quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.

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