segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Um rombo na muralha do Império

Todos os impérios têm um fim. Por vezes tudo ocorre muito rapidamente e a agonia é breve. Outras vezes, começam por surgir sinais quase imperceptíveis de decadência. Rombos nas longínquas muralhas que não são reparados nem notados no coração do império. Mas para lá das muralhas, bárbaros atentos perscrutam  Procuram linhas de fraqueza e brechas. É então por aí que decidem invadir o território abandonado e descuidado pelos seus antigos ocupantes. Aí, no limiar do império, os bárbaros apercebem-se da fraqueza que invadiu o coração império. Apercebem-se que o tempo começou a correr a seu favor. Pressentem que mais tarde ou mais cedo atingirão as imediações da capital imperial onde irão erguer as suas tendas. E a partir daí darão a última estocada no touro moribundo.

Hoje, as muralhas que cingem os impérios já não são feitas de pedra. São feitas de presenças e projecções de forças - vasos de guerra, bases militares, territórios ocupados, etc. - nos lugares mais distantes do planeta. A retirada dessas forças é um sinal de fraqueza e decadência imperial.

domingo, fevereiro 10, 2013

Ainda no meio da ponte

Stiglitz vem lembrar-nos, na sua crónica do Expresso (9-02-2013), que os países da Zona Euro ainda não ultrapassaram o impasse em que estão metidos quanto à sobrevivência da moeda única a longo prazo. Que a “jogada de Draghi” foi isso mesmo, uma jogada, mas nada a isenta que seja um bluff. Pelo menos permitiu criar uma ilusão de segurança entre os investidores, suspensos que ficaram nas suas palavras, e entre os países intervencionados, cujos governantes já vislumbravam luzes ao fundo do túnel. Mas na actual conjuntura a confiança é coisa que não dura, principalmente quando a garantia são apenas palavras, mesmo sendo as de Draghi. É óbvio que, mais tarde ou mais cedo, Draghi e o BCE vão ser postos à prova. Os investidores, ou os mercados, vão querer saber até que ponto Draghi e o BCE vão efectivamente cobrir a parada.

Eis o excerto da crónica de Stiglitz (os realces são nossos):

«Mas a maior parte dos que estiveram em Davos puseram estes problemas de parte [os ganhos de produção industrial na China, devido à automatização de processos que destroem postos de trabalho e o desemprego jovem prolongado], para celebrar a sobrevivência do euro. A nota dominante foi de complacência — ou mesmo de otimismo. A “jogada de Draghi” — a noção de que o Banco Central Europeu, com a sua disponibilidade financeira, poderia fazer e faria o que fosse necessário para salvar o euro e cada um dos países em crise — parece ter funcionado, pelo menos por uns tempos. A calma temporária forneceu algum apoio aos que afirmavam que o que era necessário, acima de tudo, era uma restauração da confiança. A esperança era de que as promessas de Draghi fossem um modo sem custos de fornecer essa confiança, porque nunca teriam de ser cumpridas.

Os críticos salientaram repetidamente que as contradições fundamentais não tinham sido resolvidas, e que se era suposto que o euro sobrevivesse no longo prazo, deveria ser criada uma união fiscal e bancária, o que obrigaria a um nível de unificação política superior ao que a maioria dos europeus está disposta a aceitar.»

Joseph Stiglitz, “Pensamento não Convencional”, Expresso, 9 de Fevereiro de 2013

Em suma: continuamos a meio da ponte – à nossa frente está essa “unificação política” para a qual não queremos avançar; atrás de nós temos o regresso às moedas nacionais o que implicaria a desintegração do Euro, projecto que para já, não queremos abandonar.

Com mais confiança ou com menos confiança, permanecemos ainda no meio da ponte. Estacados, sem dar um passo, com medo do futuro e do passado, num presente precário e paralisado.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Onde está a galinha?


Se neste guia procurar a galinha-sultana (Porphyrio porphyrio), desiluda-se. Aqui não a encontrará. 

Mas como é possível?! A emblemática ave do Parque Natural da Ria Formosa, ausente desta obra que diz ser o guia de campo mais completo das aves de Portugal e da Europa. Será que não consideraram o Reino dos Algarves? 

No melhor pano cai a nódoa.

Mas sempre pode ser vista e ouvida (ou "ouvista", nas palavras do ministro Relvas) neste excelente site, aqui.

A consciência da inconsciência

«A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência.»

Fernando Pessoa

«Há quem viva sem dar por nada, há quem morra sem tal saber

José Afonso

quinta-feira, janeiro 31, 2013

A euforia dos insensatos


Leio o Expresso do último sábado aos pingos ao longo da semana, que os trabalhos e os dias não permitem leituras mais demoradas e, quase surpreso, deparo a páginas tantas, lá mais para o fundo do jornal, com a euforia mal contida de alguns opinion makers de serviço. Parece que o regresso antecipado aos mercados deixou as suas marcas nesta gente. Um dos escribas – o Martim Figueiredo - tece agora loas ao Chile, imaginem só. Que aquilo é que é um país onde brota o leite e o mel por todo o lado, uma autêntica terra prometida onde todos adoram viver. Fosse Portugal o Chile, e os nossos dirigentes clones de José Piñera, nada mais, nada menos, do que o Ministro do Trabalho do ditador Pinochet e Portugal seria “um dos países mais competitivos do mundo”. Mas, para mal dos pecados do escriba, ninguém tem a “têmpera” de um tal ministro neste país. O opinion maker lá refere no entanto que no Chile “os mais favorecidos são ainda 14 vezes mais ricos do que os menos favorecidos”. Não sei onde foi buscar este número, mas se consultarmos o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011 disponível no portal do PNUD, podemos verificar na tabela 3, página 155 que o Chile detém um dos mais elevados valores do Índice de Gini do mundo – um indicador que mede a desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres – que é, nesse país, de 52,1 (a título de exemplo mencione-se que o mais elevado valor registado ocorre no Haiti, 59,5 e o mais baixo na Suécia, 25; em Angola é só 58,6). É justo, pensará o escriba. É o preço da “liberdade para escolher”. Uns têm e outros não, ora essa. E viva o neoliberalismo, que regressámos aos mercados! E viva o Chile! E viva o Haiti! E viva Angola! Mas quando é que Portugal se torna um destes paraísos? Muito tempo não há de faltar.

Mais adiante, encontro outro escriba habitual, lá nos fundos da revista – o Henrique Monteiro, na sua crónica do Comendador Marques Correia – num tom jocoso, irónico e de regozijo, a gozar com o discurso anti-neoliberal, anti-mercados, anti-capitalista. Afinal o euro agora está forte frente ao dólar e a taxa de juro da dívida pública a 10 anos a descer para a casa dos 5% e por isso estamos safos, julgará ele pela forma como escreve. O capitalismo está salvo! E viva o neoliberalismo uma vez mais, que agora regressámos aos mercados. Agora é que é, e lá está a luz ao fundo do túnel. Será um comboio?

Como se a taxa de juro da dívida pública a 10 anos descesse para todo o sempre e o euro se reforçasse em relação ao dólar para todo o sempre.

Onde está a insensatez nestas posições?

Se alguma coisa aprendi neste jogo, é que os mercados financeiros são volúveis. Governar países com a preocupação de agradar aos mercados significa governar para o curto prazo, significa o sacrifício do futuro, porque a ambição de quem especula nos mercados é ver ganhos imediatos, custe o que custar.

Mas enfim, as cotações estão em alta! Está tudo “no verde”! Eia! Vivam os mercados! Viva o Chile! Viva o Piñera do Pinochet! E, ui ui o neoliberalismo, que mau que ele é, gozam jocosamente.

Amanhã, quando as tendências se inverterem, quando as cotações estiverem “no vermelho” e os juros da dívida tornarem a subir, cá estarei para os ouvir cantar.

A tempestade ainda não passou, nem vai passar tão cedo.

Pica pica

Pega (Pica pica)

terça-feira, janeiro 29, 2013

A estrada e a estalagem

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego in Obras de Fernando Pessoa, Vol. II, Lello & Irmão, Porto, 1986. Pág. 550-551

“A estrada é sempre melhor do que a estalagem.”
Cervantes

***

A vida sempre pode ser concebida como uma estalagem ou como uma estrada. Quixote fez-se à estrada e, por vezes, parava nas estalagens que confundia com castelos. Bernardo Soares aguardava na estalagem, sem pressa, a chegada da diligência do abismo do qual nada se sabe.  Sabemos apenas que quando o olhamos ele nos devolve o olhar, mais penetrante ainda, e nos indaga. Estremecemos então. Persignamo-nos. Oramos: “Mesmo que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo” Sl. 23… Além está o vazio e aqui mora o horror ao vazio.

Ora, parece que finalmente estamos de acordo

Campos e Cunha, cujas palavras noutra ocasião já foram aqui alvo de crítica, afirma agora que “o documento do Fundo Monetário Internacional faz um diagnóstico distorcido e avisa que a redução da despesa não pode ser feita através de cortes cegos.” Aqui, na Antena 1. Ora, parece que finalmente estamos de acordo, embora tal conclusão seja já consensual no país, excepto entre os que nos governam, que classificam o relatório de "bom".

E diz ainda que “sem reforma do sistema político, vejo com muito cepticismo a possibilidade de fazermos uma reforma da administração pública". Aqui. De acordo, uma vez mais.

Na verdade, é maior o escrutínio que se faz para contratar um condutor de ambulâncias do INEM do que o que se realiza para escolher um político para um cargo na governação do país ou de um partido político maioritário. O resultado está à vista, o espaço político institucional foi invadido por incompetentes, vigaristas, gente sem ética, cínicos e canalhas.

Gente que utiliza os partidos (em particular os do famoso “arco do poder” ou “da governação”) para ascender e chegar-se ao poder (ao “pote”, dizem alguns deles), pensando em primeiro lugar em servir-se a si, em servir os seus amigos e clientelas, os lobbies que representam, e só depois, muito depois, os cidadãos comuns.

É óbvio que o sistema político deve ser reformado em primeiro lugar. Os partidos deveriam ser “imunizados” contra estes elementos, que se servem deles como cavalos e Tróia para alcançarem os seus intentos e satisfazerem as suas ambições pessoais, sem olharem a meios. Os candidatos a lugares de topo nos partidos e no país deveriam ser muito bem escrutinados – o seu passado, o seu presente -, antes de assumirem tais posições.

Não seria o fim dos vigaristas na política, mas cremos que a qualidade da democracia melhoraria bastante.

Afinal, ninguém gosta de ser governado por vigaristas e incompetentes, muitos dos quais lhes basta aguardar que o poder lhes caia no colo, que é uma questão de tempo, dizem eles.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Este país não é para portugueses.

Noticia o Expresso, aqui:


Os portugueses sem dinheiro, os pobres e os desempregados, são convidados a emigrar. Os estrangeiros endinheirados - os da classe ociosa e super-rica - são convidados a residir em Portugal. Temos residências de luxo, campos de golfe e um céu quase sempre azul, mesmo no Inverno. Tudo no Allllllllgarve.

Decididamente, este país não é para portugueses.

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