sábado, março 23, 2019

A poesia visita as mentes com o fulgor de um raio

Heinrich Heine e a Musa da Poesia, 1894–1894
Georges Moreau de Tours

O poeta (como o homem moral na sua acção, que nunca é isenta de alguma impureza) sofre com as manchas que percebe na sua obra e gostaria de as remover a todas, até ao mais ínfimo vestígio […] Mas a poesia visita as mentes com o fulgor de um raio e o trabalho humano tenta segui-la, atraído, fascinado por ela e dela colhe o que pode e, em vão, pede que fique e se deixe remirar em todos os traços do rosto, mas ela já vai longe.  

Croce, A Poesia (1936), citado por Umberto Eco, Aos Ombros de Gigantes, Gradiva, 2018, p. 298.

terça-feira, março 19, 2019

O “fascismo nunca mais”


Tivesse Madeleine Albright escrito o seu livro um pouco mais tarde e haveria outro fascista a acrescentar ao rol*. Por certo um capítulo sobre aquele que preside ao país com maior número de falantes de língua portuguesa (cerca de 209 milhões de pessoas): Jair Bolsonaro. Sucede que escreveu Fascismo: Um Alerta, antes da eleição de Bolsonaro.

Paradoxalmente as democracias continuam a eleger fascistas.

O “fascismo nunca mais” era um sonho de Abril.

domingo, fevereiro 17, 2019

A essência da Escola

A escola foi inventada no tempo dos antigos Gregos como uma relação entre mestre e discípulos, tendo como horizonte o conhecimento, e, apesar de essa relação ter sofrido muitas mudanças, a escola continua a ser na sua essência, essa relação.

Carlos Fiolhais, David Marçal, A Ciência e os Seus Inimigos, Gradiva, 2017, pág. 225.

***

É isto a Escola. O resto é política, ideologia e “Ciência” da Educação. Sempre houve muita gente a querer meter o bedelho na Educação por motivos ideológicos e políticos, em particular a gente dos partidos políticos. Querem pôr a mão no futuro, para tentar moldá-lo a seu contento. Querem, de forma sub-reptícia, colocar a juventude nos seus próprios carris ideológicos. E a verdade é que a ideologia tem conseguido imiscuir-se nos programas escolares. Os professores, por sua vez, vão paulatinamente sendo convertidos em meros aplicadores de “conteúdos”, que se querem bem controladinhos, muito bem controladinhos… Hoje é a essência da escola que está a ser posta em causa.

A escola é demasiado importante para ser deixada a outros que não os professores.

Infelizmente os professores têm ido na cantiga daqueles que dizem que a escola é demasiado importante para ser deixada apenas aos professores.

sábado, janeiro 12, 2019

O novo mantra político do ano


O novo mantra político do ano – vamos ouvi-lo muitas vezes, porque é preciso repeti-lo até à exaustão para que se inculque no comum dos mortais a necessidade de privatizar tudo: “O Estado falhou”.

Os privados nunca falham.

Onde estão aqueles que determinaram a privatização dos CTT, em 2014? O que terão agora a dizer às populações que residem em concelhos onde se anuncia o encerramento do único balcão de correios, passando para as juntas de freguesia – para o Estado, portanto – os serviços e funções que são atributo das estações de correio?

Ei-los aqui, rejubilando. 

Uns amigalhaços!

A lógica do lucro assim o determina, não é verdade?


Fantástico Mike!

Foto: daqui.

segunda-feira, dezembro 31, 2018

Livros do Ano, lidos no ano



















Us vs. Them: The Failure of Globalism
Ian Bremmer
Portfolio/Penguin
2018


















The Way We Live Now
from The Age of American Unreason in a Culture of Lies
Susan Jacoby
Vintage Books
2018

*** 

Ainda em leitura:

Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress
Steve Pinker
Viking
2018

Nunca será o meu livro do ano, por muitas e múltiplas razões. Por exemplo, o autor contorna habilmente a sexta extinção de espécies que está a ocorrer e dá voz aos que questionam a injustiça das desigualdades sociais, chegando a considerar a desigualdade virtuosa. Está errado. 

Ainda que se concorde com a defesa da Ciência, e do Iluminismo e até do Progresso e do Humanismo, não se pode concordar com as cedências que faz ao neoliberalismo.

Palavras do ano

Não constam nos dicionários.

“Uberização” e “bugar”.

A primeira é um processo que se está a impor e a alterar o funcionamento das sociedades e suas instituições. As redes sociais, as aplicações informáticas e as plataformas digitais têm conduzido à uberização de tudo. Não são só os táxis, é também, por exemplo, a forma de dar notícias ou as novas formas de organizar e apoiar as greves, que agora podem ser patrocinadas anonimamente nas redes sociais, quer por amigos da causa, quer por amigos doutras causas. Dúvidas? Perguntem aos enfermeiros. Até a política está a ser uberizada, que o diga Bolsonaro.

“Bugar” é um verbo que quase todo o jovem conhece. Antes tinham brancas, bloqueavam nos exames. Agora, bugam. “Então menina, porque demora tanto tempo a responder?” “Oh professor, desculpe. Buguei!”. LOL

Bom Ano!

terça-feira, outubro 16, 2018

Leslie à passagem



© AMCD    


                                                                                                                         © AMCD     

terça-feira, outubro 02, 2018

Outono


   Luigi Garzi, Alegoria de Outono, c.1680

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«Já, o outono! – Mas porque desejar um sol eterno, se partimos à descoberta da claridade divina – longe daqueles que florescem e morrem com as estações.
O outono. A barca ascendida à imobilidade das brumas regressa agora ao porto da miséria, cidade imensa, imenso céu traçado de fogo e de lama. Ah! os farrapos podres, o pão encharcado de chuva, a bebedeira, os mil amores que me crucificaram! Então não findará jamais este vampiro, este tirano de milhões de almas e de corpos mortos que serão julgados! Revejo-me: a pele roída pela peste e pela lama, a cabeça e os sovacos repletos de piolhos, não tão gordos, não tantos como os que me roíam o coração, deitado entre desconhecidos de idade incerta, de sentimentos incertos…Podia ter ficado ali…Pavorosa evocação! Detesto a miséria.
E temo o inverno por ser a estação do conforto!»

Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário Cesariny de Vasconcelos)


in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália Editora, 1960.


segunda-feira, outubro 01, 2018

Vertigens


«Ao princípio, era apenas um exercício. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Captava vertigens.

Alugando pássaros, pedaços de pele, povoados,
Que busco eu, alheio ao sossego e à esteira?
Em ondas de ternura bebo afogados
Séculos de murmúrio, ajoelhado na areia.

Que piolho eu beberia noutro rio marata?
-  Copo de oiro sem voz, flores de gás, céu alvar! –
Beber por calabaças, fora da minha cubata?
Só se for o licor que a terra faz ao mar.

Ergui minha choupana em foz daninha.
- Rosa de areia! Sangue! Jubileus! –
A água do rio levou-me oiro e vinha,
(Nos lameiros, passava a mão de Deus)

E eu chorava, eu via – oiros! – nunca sereis meus!»

*
Às quatro horas o mastro de neve
Descansa do amor entre brandas avenas.
Na nudez de Bocácio Eva escreve
Uma noite de veias serenas.

Lasso, baço, num vasto coral
De rugas e olhos e sóis improfícuos
Sobe o rio o clamor matinal
            Dos carros Oblíquos.

Para o festim de chocolate, ébrios de claridade,
Eles vestem antecipadamente lambris pré-celestes
                                Cidade
De pão, bandeiras, declives, homens.

Para estes operários, veículo de tantos
Rios interiores a um rei da Babilónia,
Ó Vénus, deixa por momentos as almas
Estagnadas como pântanos no coração do Ródano.

Ó Guia dos pastores
Dá aos trabalhadores a ode viva.
Que a sua força seja como seda pacífica

- Um acto no caminho do amargo banho ao meio-dia.»

Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário Cesariny de Vasconcelos)


in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália Editora, 1960.

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