terça-feira, agosto 11, 2020

A idolatria da grandeza


O muçulmano deslumbra-se com a grandeza. A frase mais dita e repetida por si reflecte essa idolatria da grandeza: “Alá é grande”. O cristão, por seu lado, deslumbra-se com o amor e com a vida: “Deus é amor”, “Deus é vida”.


Perante Deus, o cristão ajoelha-se, o muçulmano prostra-se.

Omnipotência, omnipresença e omnisciência, traduzem-se numa só palavra para o muçulmano: “grande”. Alá é grande.

sábado, agosto 08, 2020

Praia de Miramar

(C) AMCD

Em pleno Verão, a serenidade reina na praia de Miramar. A temperatura da água, cerca de 15º C, não convida ao banho. Ao longe, a capela do Senhor da Pedra, junto à praia do mesmo nome. A foto é de ontem.

sexta-feira, agosto 07, 2020

Animais errantes?! Qual quê: animais abandonados.

“Animais errantes”, ouvimos com surpresa e desagrado, na rádio, nas palavras de um representante dos veterinários. Que é feito então dos animais abandonados? Não existem? Ninguém os abandona agora?

 

É muito conveniente para os lobbies da veterinária, das lojas de animais, dos produtores rações para animais domésticos, entre outros, a utilização do termo “errante”. Chamar a um animal abandonado animal errante não onera ninguém, não pesa na consciência de ninguém, nem soará mal aos ouvidos dos que abandonam os animais, esses “amigos” dos animais, potenciais clientes dos ditos lobbies. Não causa danos morais quando devia causar, nem pesos na consciência quando devia pesar.

 

quinta-feira, agosto 06, 2020

Uma birra de filósofo


Bernard-Henri Lévi, Este Vírus que nos Enlouquece, Guerra e Paz, 2020.

óóóó

As ideias são mais teimosas do que os factos (pág. 29) e no entanto, afirma Bernard-Henri Lévy, as ideias também morrem, porque vivem da mesma maneira que os seres humanos. (pág. 23) 

Discordamos. A morte é um facto e as ideias sobrevivem-lhe.

E mais adiante afirma:

A velha lua marxista da crise do final do capitalismo misturou-se com a colapsologia. (pág. 42)

ΩΩΩ

As ideias não vivem da mesma maneira que os seres humanos, ao contrário do que diz Bernard-Henri Lévy. Atravessam gerações, vivem para além dos seres humanos que as difundiram. É por isso que a velha ideia marxista, essa lua, nas próprias palavras do filósofo francês, é velha e persiste. Sobreviveu a Marx, assim como o cristianismo sobreviveu a Cristo. As ideias só morrerão com a morte do último homem. Não estamos aí.

Afirma também Bernard-Henri Lévy que os vírus, no fundo, são muito mais a arma de um crime da natureza contra o homem do que um sinal de violência dos homens contra a natureza… (pág. 40). Ora se o filósofo não é favorável à personificação do vírus – o vírus não pensa, nem tem uma intenção - como se depreende da leitura das páginas 38 e 39, já concede que a natureza comete um crime contra o homem. A natureza não comete crimes, dizemos nós, da mesma forma que o vírus também não. O homem é que os comete, se quisermos persistir no dualismo homem/natureza.

Na verdade, o homem é parte da natureza. Exactamente aquela parte que comete crimes, se quisermos. O dualismo homem/natureza é uma simplificação que nos ajuda a ler a realidade, mas não é a realidade.

Concordamos mais com Boaventura de Sousa Santos (2020) quando afirma: “Não se trata de vingança da Natureza. Trata-se de pura auto-defesa.” O homem é o agressor.

Concordamos também com Peter Sloterdijk, que escreveu, na década de 80 do século passado, o seguinte:


A natureza, não humana, defende-se.

Há uma birra de Bernard-Henri Lévy contra a situação em que nos encontramos, como se o homem fosse uma vítima injusta da ira da natureza. Tem todo o direito de pensar assim.

O seu livro é muito interessante, mas que há ali uma birra há.
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Referências

Bernard-Henri Lévi, Este Vírus que nos Enlouquece, Guerra e Paz, 2020.
Boaventura de Sousa Santos, A Cruel Pedagogia do Vírus, Edições Almedina, 2020.
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011.

segunda-feira, agosto 03, 2020

Racistas e maçãs


Pergunta inútil: se há racismo em Portugal. Claro que há. É como perguntar se há maçãs podres num pomar.

José Manuel Viegas, “Racismo Lusitano”, A Origem das Espécies

 

De acordo com esta acepção há racismo em todas as sociedades. Haverá pomares sem maçãs podres? Concordamos com José Manuel Viegas, se não distinguirmos “racismo geral” de “racistas particulares”. Mas qual é a métrica para aferir se uma sociedade é racista? Quantos racistas são necessários para se concluir cabalmente que a sociedade em que se vive é uma sociedade racista? Quantas maçãs podres são necessárias para que se concluir que a safra de maçãs está comprometida, ou que o pomar é um pomar de maçãs podres? Estamos num terreno movediço: o simples facto de colocarmos a questão do grau de racismo de uma sociedade é geralmente mal interpretado, sendo acusado de racismo quem a coloca.

 

O racismo não é estatisticamente mensurável, mas existem indicadores que “se encontram no cerne da questão racial”, como é o caso do número de casamentos mistos, como salienta o historiador e antropólogo, Emmanuel Todd (2018), na sua obra, Onde Estamos?:

 

Durante esse período [1965-2015, nos E.U.A.], o sentimento racial persistiu numa parte importante da população branca, e pouca importância tem que as sondagens de opinião digam o contrário. É o que mostra uma análise do casamento, que se encontra no cerne da questão racial porque, se é misto a uma taxa elevada, as raças se diluem para desaparecerem finalmente. 

Emmanuel Todd (2018, pág. 331)

E mais adiante:


A percentagem de casamentos mistos é um indicador poderoso. Evoca o futuro porque, se forem numerosos numa determinada sociedade, os casais mistos que produzem filhos abolem a possibilidade de uma segmentação racial ou étnica da sociedade.

Emmanuel Todd (2018, pág. 386) 

(destaque nosso)

 

Em suma, para uma análise comparativa e objectiva do racismo nas sociedades e entre sociedades, a percentagem de casamentos mistos “é um indicador poderoso”. Pode estar aqui uma das métricas do racismo nas sociedades. Enquanto a questão do racismo for apenas uma questão de opinião, a discussão não cessará, assim como o ruído e a dissensão que a acompanha.

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 Referências

 

Emmanuel Todd (2018), Onde Estamos? Uma outra visão da história humana, Temas e Debates/Círculo de Leitores.

Viegas, José Manuel, “Racismo Lusitano”, Origem das Espécies (blogue) (consultado a 3 de Agosto de 2020). Daqui.

 

domingo, agosto 02, 2020

Malaguenha


A morte
entra e sai
da taberna.

Passam cavalos negros
e gente sinistra
pelos fundos caminhos
da guitarra.

E há um cheiro a sal
e a sangue de fêmea
nos nardos febris
da beira-mar.

A morte
entra e sai,
e sai e entra
a morte
da taberna.

Garcia Lorca

(traduzido por Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940 – 1986], II Volume, 3ª edição aumentada, Círculo de Leitores.

sexta-feira, julho 31, 2020

Banhistas


Renoir, Pierre-Auguste, Large Bathers (Les Grandes Baigneuses), 1884-87

quarta-feira, julho 29, 2020

O dinheiro de Bruxelas e o país dos espertalhões

Todos os espertalhões do país estão já a congeminar um plano para justificar o direito  ao dinheiro e à subvenção, ao fundo e ao maneio.

Clara Ferreira Alves, Revista E, Expresso,  24 de Julho de 2020

Não fosse este o país dos cobiçosos pilhadores-quando-podem. A ocasião faz o ladrão. Não sei porquê, vem-me sempre à memória a carraca de Albuquerque à saída de Malaca. Naufragou logo ali com o peso da pilhagem.

É o retrato de um povo. Se não de um povo, pelo menos de uma parte dele muito significativa.

terça-feira, julho 28, 2020

Escritos na parede, em Almada


Frases enigmáticas, escritas provavelmente por algum anarquista, de fugida, numa noite muito escura. Frases que nos desafiam de propósito, e, portanto, frases que gostamos de desafiar.

Eis uma das frases:

O futuro é passado no presente

Este “passado” é importante pois pode referir-se ao decorrer, e nesse caso a frase diz-nos que o futuro decorre no presente. Ou pode referir-se tão só ao que já ocorreu, ao tempo antes do presente. E aqui surge um paradoxo: como é que o futuro se pode considerar tempo antes do presente? A frase presta-se a diferentes interpretações e conduz-nos ao paradoxo.

Na verdade, o presente é o futuro do passado. Esta ideia está expressa no excelente livro de Ivan Krastev (2020), O Futuro por Contar, Objectiva, na página 18. Diz ele:

A diferença entre o passado e o presente é que nunca podemos conhecer o futuro do presente, mas já vivemos o futuro do passado.

Eis outra frase que lemos nas paredes, provavelmente escritas pela mesma pessoa, pois a letra era a mesma:

O dinheiro que salva também mata

Por que não o contrário? Ou seja: o dinheiro que mata também salva.

O “também” é de extrema importância na frase, assim como a palavra que surge no fim. Na frase inscrita na parede, o dinheiro é um malvado, pois no fim acaba por matar. Na frase que proponho o dinheiro no fim também salva. Acaba por ser uma visão mais positiva de um meio que é o dinheiro. O dinheiro não tem culpa. O uso que dele se faz é que pode ser questionável. Atirar no dinheiro é atirar ao lado.

Mas ainda assim, as referidas frases inscritas na parede são frases-pontapé. Frases que nos fazem pensar, nos interpelam e desafiam.

Mas como dizia Nanni Moretti: le parole sono importanti!

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