But the great number [of the Athenian Assembly] cried out that it was monstrous if the
people were to be prevented from doing whatever they wished... Then the
Prytanes, stricken with fear, agreed to put the question-all of them except
Socrates, the son of Sophroniscus; and he said that in no case would he act
except in accordance with the law.
Xenophon
Tradução:
Mas a maioria [da Assembleia Ateniense] clamou que seria monstruoso se o povo fosse impedido de fazer tudo o
que desejava…Então o Prítanes, acometido pelo medo, concordou em colocar a
questão – todos eles excepto Sócrates, o filho de Sofronísco; e
ele disse que em caso algum actuaria excepto se fosse de acordo com a lei.
Xenofonte,
Helénicas
(tradução
nossa)
É com a citação de Xenofonte (431 a.C. – 355 a.C.) em
epígrafe, que o austríaco Friedrich von Hayek, um dos papas do
neoliberalismo, começa por visar criticamente a democracia num dos subcapítulos
da obra The Political Order of a Free
People (1979). O subcapítulo intitula-se “A progressiva desilusão com a
democracia”. O recurso a Xenofonte, um fervoroso discípulo de Sócrates, não é
despiciendo. Hayek procura apoio e patrocínio num dos filósofos mais sábios da
antiga Grécia, para proceder a uma crítica à democracia - nas palavras de
Churchill, a pior forma de governo, à excepção de todos as outras. Com efeito,
se a democracia directa não for regrada, então todas as questões e decisões
antipopulares não passarão na Assembleia, encontrando a oposição da maioria. O
problema é quando, nas actuais democracias representativas, a maioria decide
legislar contra o povo que a elegeu, e que era suposto representar, dizemos
nós. Não é de espantar que o neoliberal Hayek critique a democracia neste ponto,
na medida em que esta forma de governo, como sabemos hoje, não é o melhor
terreno para o exercício das políticas neoliberais. A comprová-lo está o facto
de a aplicação pioneira deste tipo de políticas ter ocorrido sob os auspícios do
regime tirânico do general Pinochet, no Chile.
A democracia é um escolho no
caminho dos que querem impor a via neoliberal aos povos que dirigem. Não admira
que queiram suspendê-la.
***
O primeiro parágrafo da obra
supracitada de Hayek reza assim:
When the activities of
modern government produce aggregate results that few people have either wanted
or foreseen this is commonly regarded as an inevitable feature of democracy. It can hardly be claimed, however, that
such developments usually correspond to the desires of any identifiable group
of men. It appears that the particular process which we have chosen to
ascertain what we call the will of the people brings about results which have
little to do with anything deserving the name of the 'common will' of any
substantial part of the population.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People
Tradução:
Quando as actividades do moderno governo produzem resultados agregados
que poucas pessoas desejavam ou previram, isso é comummente considerado como
uma característica inevitável da democracia. Dificilmente se pode afirmar, contudo, que tais desenvolvimentos
usualmente correspondem aos desejos de um grupo identificável de homens.
Parece que o processo particular que escolhemos para determinar o que podemos
chamar a vontade do povo traz resultados que pouco têm a ver com qualquer coisa
que mereça o nome de “vontade comum” de qualquer parte substancial da
população.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People
(tradução e sublinhados nossos)
Ao contrário
do que refere Hayek, julgamos que hoje existe um grupo identificável, não
maioritário, que quer impor as suas políticas, desígnios, desejos e interesses
aos demais, contra a vontade destes e para benefício daqueles. E com efeito é
possível consegui-lo. Basta ter o poder para suspender a democracia.