sexta-feira, agosto 14, 2020

Vírus Trump















Kamala Harris, no primeiro discurso enquanto vice-presidente candidata dos EUA:

Aos 43:52

“Vejam só o que eles [Trump e Mike Pence] nos deixaram: mais de 16 milhões sem trabalho, milhões de crianças que não podem regressar à escola, uma crise de pobreza, de sem-abrigo, afectando principalmente negros, mestiços e nativos índios, uma crise de fome que atinge uma em cada cinco mães com crianças que sentem fome e, tragicamente, mais de 165 000 vidas que foram encurtadas, e muitos não puderam ter a oportunidade sequer de despedir-se dos seus entes queridos. E não tinha de ser desta forma.”

Kamala Harris (traduzido daqui)


Aos 46:17


“Tudo isto [a gestão desastrosa de Trump e Pence da crise pandémica] é a razão. É a razão pela qual um americano morre a cada 80 segundos de COVID-19. É por isso que um número incontável de negócios tiveram de fechar as suas portas. É por essa razão que há um completo caos acerca de quando e como se devem reabrir as nossas escolas. Pais e mães estão confusos, inseguros e zangados relativamente aos cuidados a ter com as suas crianças e a segurança dos seus miúdos na escola. Se ficarão em perigo se forem à escola ou se ficarão para trás se não forem. Trump é também a razão pela qual milhões de americanos estão agora desempregados. Herdou a mais longa expansão económica da história que vinha desde a presidência de Barack Obama e Joe Biden. E depois, como tudo o que herdou, tratou logo de a deitar ao chão. Por causa das falhas de liderança de Trump, a nossa economia alcançou um dos maiores recordes entre as nações mais industrializadas, com uma taxa de desemprego que triplicou. Isto é o que acontece quando se elege um tipo que não é apto para o trabalho que tem de desempenhar. O nosso país acaba em frangalhos, acontecendo o mesmo com a nossa [dos EUA] reputação em todo o mundo.”

Kamala Harris (traduzido daqui)

***

A gestão desastrosa de Trump, a sua desvalorização da ameaça que representava o vírus quando o mesmo se anunciava, o seu desgoverno, foi outro vírus que atingiu a América. Trump é um vírus.

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Traduzido daqui:



quarta-feira, agosto 12, 2020

Kaputt


Curzio Malaparte (1944), Kaputt, Publicações Europa-América, 1979.

[Há uma edição deste ano da Cavalo de Ferro]

óóóó


Kaputt, onde o italiano Malaparte passeia impunemente a sua insolência (que faz passar por irreverência) sob o nariz dos nazis enquanto com eles janta. Teve de testemunhar o mal com os seus próprios olhos para aprender, da pior forma, o horror do nazismo e do fascismo, que antes abraçara. É nessa condição de “aliado” que lhe é conferido um livre trânsito que o leva a testemunhar os horrores na frente Leste: as perseguições, os fuzilamentos, a chacina dos judeus. Por toda a obra transparece o seu repúdio pela crueldade dos nazis, com a qual convive horrorizado, com a habilidade e a inteligência necessária para os ludibriar e sair dali vivo.

Tem, no entanto, um tique que manifesta ao longo do livro: associa muitas vezes o mal a um elemento feminino (chega a gracejar, dizendo que Hitler é uma mulher, ou que há um elemento feminino no "medo" e na crueldade dos alemães). Talvez não seja de forma consciente. É uma tendência com profundas raízes bíblicas e mitológicas: não foi Eva que convenceu Adão a morder a maçã? Não foi da caixa de Pandora que fugiram todos os males do mundo? Não era Medusa uma mulher? Ou Circe uma feiticeira? Será que Malaparte não se deu conta desta tendência para a diabolização do elemento feminino na sua história e na história da literatura?

O capitão Curzio Malaparte

terça-feira, agosto 11, 2020

A idolatria da grandeza


O muçulmano deslumbra-se com a grandeza. A frase mais dita e repetida por si reflecte essa idolatria da grandeza: “Alá é grande”. O cristão, por seu lado, deslumbra-se com o amor e com a vida: “Deus é amor”, “Deus é vida”.


Perante Deus, o cristão ajoelha-se, o muçulmano prostra-se.

Omnipotência, omnipresença e omnisciência, traduzem-se numa só palavra para o muçulmano: “grande”. Alá é grande.

sábado, agosto 08, 2020

Praia de Miramar

(C) AMCD

Em pleno Verão, a serenidade reina na praia de Miramar. A temperatura da água, cerca de 15º C, não convida ao banho. Ao longe, a capela do Senhor da Pedra, junto à praia do mesmo nome. A foto é de ontem.

sexta-feira, agosto 07, 2020

Animais errantes?! Qual quê: animais abandonados.

“Animais errantes”, ouvimos com surpresa e desagrado, na rádio, nas palavras de um representante dos veterinários. Que é feito então dos animais abandonados? Não existem? Ninguém os abandona agora?

 

É muito conveniente para os lobbies da veterinária, das lojas de animais, dos produtores rações para animais domésticos, entre outros, a utilização do termo “errante”. Chamar a um animal abandonado animal errante não onera ninguém, não pesa na consciência de ninguém, nem soará mal aos ouvidos dos que abandonam os animais, esses “amigos” dos animais, potenciais clientes dos ditos lobbies. Não causa danos morais quando devia causar, nem pesos na consciência quando devia pesar.

 

quinta-feira, agosto 06, 2020

Uma birra de filósofo


Bernard-Henri Lévi, Este Vírus que nos Enlouquece, Guerra e Paz, 2020.

óóóó

As ideias são mais teimosas do que os factos (pág. 29) e no entanto, afirma Bernard-Henri Lévy, as ideias também morrem, porque vivem da mesma maneira que os seres humanos. (pág. 23) 

Discordamos. A morte é um facto e as ideias sobrevivem-lhe.

E mais adiante afirma:

A velha lua marxista da crise do final do capitalismo misturou-se com a colapsologia. (pág. 42)

ΩΩΩ

As ideias não vivem da mesma maneira que os seres humanos, ao contrário do que diz Bernard-Henri Lévy. Atravessam gerações, vivem para além dos seres humanos que as difundiram. É por isso que a velha ideia marxista, essa lua, nas próprias palavras do filósofo francês, é velha e persiste. Sobreviveu a Marx, assim como o cristianismo sobreviveu a Cristo. As ideias só morrerão com a morte do último homem. Não estamos aí.

Afirma também Bernard-Henri Lévy que os vírus, no fundo, são muito mais a arma de um crime da natureza contra o homem do que um sinal de violência dos homens contra a natureza… (pág. 40). Ora se o filósofo não é favorável à personificação do vírus – o vírus não pensa, nem tem uma intenção - como se depreende da leitura das páginas 38 e 39, já concede que a natureza comete um crime contra o homem. A natureza não comete crimes, dizemos nós, da mesma forma que o vírus também não. O homem é que os comete, se quisermos persistir no dualismo homem/natureza.

Na verdade, o homem é parte da natureza. Exactamente aquela parte que comete crimes, se quisermos. O dualismo homem/natureza é uma simplificação que nos ajuda a ler a realidade, mas não é a realidade.

Concordamos mais com Boaventura de Sousa Santos (2020) quando afirma: “Não se trata de vingança da Natureza. Trata-se de pura auto-defesa.” O homem é o agressor.

Concordamos também com Peter Sloterdijk, que escreveu, na década de 80 do século passado, o seguinte:


A natureza, não humana, defende-se.

Há uma birra de Bernard-Henri Lévy contra a situação em que nos encontramos, como se o homem fosse uma vítima injusta da ira da natureza. Tem todo o direito de pensar assim.

O seu livro é muito interessante, mas que há ali uma birra há.
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Referências

Bernard-Henri Lévi, Este Vírus que nos Enlouquece, Guerra e Paz, 2020.
Boaventura de Sousa Santos, A Cruel Pedagogia do Vírus, Edições Almedina, 2020.
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011.

segunda-feira, agosto 03, 2020

Racistas e maçãs


Pergunta inútil: se há racismo em Portugal. Claro que há. É como perguntar se há maçãs podres num pomar.

José Manuel Viegas, “Racismo Lusitano”, A Origem das Espécies

 

De acordo com esta acepção há racismo em todas as sociedades. Haverá pomares sem maçãs podres? Concordamos com José Manuel Viegas, se não distinguirmos “racismo geral” de “racistas particulares”. Mas qual é a métrica para aferir se uma sociedade é racista? Quantos racistas são necessários para se concluir cabalmente que a sociedade em que se vive é uma sociedade racista? Quantas maçãs podres são necessárias para que se concluir que a safra de maçãs está comprometida, ou que o pomar é um pomar de maçãs podres? Estamos num terreno movediço: o simples facto de colocarmos a questão do grau de racismo de uma sociedade é geralmente mal interpretado, sendo acusado de racismo quem a coloca.

 

O racismo não é estatisticamente mensurável, mas existem indicadores que “se encontram no cerne da questão racial”, como é o caso do número de casamentos mistos, como salienta o historiador e antropólogo, Emmanuel Todd (2018), na sua obra, Onde Estamos?:

 

Durante esse período [1965-2015, nos E.U.A.], o sentimento racial persistiu numa parte importante da população branca, e pouca importância tem que as sondagens de opinião digam o contrário. É o que mostra uma análise do casamento, que se encontra no cerne da questão racial porque, se é misto a uma taxa elevada, as raças se diluem para desaparecerem finalmente. 

Emmanuel Todd (2018, pág. 331)

E mais adiante:


A percentagem de casamentos mistos é um indicador poderoso. Evoca o futuro porque, se forem numerosos numa determinada sociedade, os casais mistos que produzem filhos abolem a possibilidade de uma segmentação racial ou étnica da sociedade.

Emmanuel Todd (2018, pág. 386) 

(destaque nosso)

 

Em suma, para uma análise comparativa e objectiva do racismo nas sociedades e entre sociedades, a percentagem de casamentos mistos “é um indicador poderoso”. Pode estar aqui uma das métricas do racismo nas sociedades. Enquanto a questão do racismo for apenas uma questão de opinião, a discussão não cessará, assim como o ruído e a dissensão que a acompanha.

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 Referências

 

Emmanuel Todd (2018), Onde Estamos? Uma outra visão da história humana, Temas e Debates/Círculo de Leitores.

Viegas, José Manuel, “Racismo Lusitano”, Origem das Espécies (blogue) (consultado a 3 de Agosto de 2020). Daqui.

 

domingo, agosto 02, 2020

Malaguenha


A morte
entra e sai
da taberna.

Passam cavalos negros
e gente sinistra
pelos fundos caminhos
da guitarra.

E há um cheiro a sal
e a sangue de fêmea
nos nardos febris
da beira-mar.

A morte
entra e sai,
e sai e entra
a morte
da taberna.

Garcia Lorca

(traduzido por Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940 – 1986], II Volume, 3ª edição aumentada, Círculo de Leitores.

sexta-feira, julho 31, 2020

Banhistas


Renoir, Pierre-Auguste, Large Bathers (Les Grandes Baigneuses), 1884-87

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