«Ao princípio, era apenas um exercício. Escrevia silêncios, noites,
anotava o inexprimível. Captava vertigens.
Alugando pássaros, pedaços de pele,
povoados,
Que busco eu, alheio ao sossego e à esteira?
Em ondas de ternura bebo afogados
Séculos de murmúrio, ajoelhado na areia.
Que piolho eu beberia noutro rio marata?
- Copo
de oiro sem voz, flores de gás, céu alvar! –
Beber por calabaças, fora da minha cubata?
Só se for o licor que a terra faz ao mar.
Ergui minha choupana em foz daninha.
- Rosa de areia! Sangue! Jubileus! –
A água do rio levou-me oiro e vinha,
(Nos lameiros, passava a mão de Deus)
E eu chorava, eu via – oiros! – nunca sereis
meus!»
*
Às quatro horas o mastro de neve
Descansa do amor entre brandas avenas.
Na nudez de Bocácio Eva escreve
Uma noite de veias serenas.
Lasso, baço, num vasto coral
De rugas e olhos e sóis improfícuos
Sobe o rio o clamor matinal
Dos carros Oblíquos.
Para o festim de chocolate, ébrios de claridade,
Eles vestem antecipadamente
lambris pré-celestes
Cidade
De pão, bandeiras, declives,
homens.
Para estes operários, veículo de tantos
Rios interiores a um rei da Babilónia,
Ó Vénus, deixa por momentos as almas
Estagnadas como pântanos no coração do
Ródano.
Ó Guia dos pastores
Dá aos trabalhadores a ode viva.
Que a sua força seja como seda pacífica
- Um acto no caminho do amargo banho ao meio-dia.»
Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário
Cesariny de Vasconcelos)
in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália Editora,
1960.