Atearam um grande fogo na Europa Oriental, pensando que
não se queimariam, longe que estavam, do outro lado do oceano (EUA), ou fora da
Europa continental (Reino Unido). Os que estavam mais próximos ficariam com incumbência
de o apagar, com prejuízo seu e ganho deles. E ateado o fogo, foram
lançando mais lenha e mais gasolina. A Europa Ocidental e continental, iria provavelmente
sentir algum calor. Talvez se queimasse, quem sabe? A Europa Oriental, arderia.
E que conveniente seria para eles uma guerra na Europa e uma Europa a arder.
Findo o mercado do Afeganistão onde permaneceram 20 anos a
usar quantidades massivas de armas e equipamento militar, a indústria do armamento
tinha de arranjar outro mercado para escoar a sua imensa produção. Além disso, havia
ainda que vender excedentes de gás natural.
Globalização, como é sabido, é acima de tudo
interdependência entre países e espaços económicos. Como não poderiam estar os países do centro e leste europeus numa
relação de interdependência com a Rússia? Construíram gasodutos e oleodutos,
pois então. Interdependência que, se continuasse a aprofundar-se, poderia ser
um risco para outros espaços económicos rivais (e os EUA comportam-se como um espaço rival
da U.E. no campo económico). Agora vendem quantidades massivas de armas a uma
Europa que se rearma e, na verdade, que tem de se rearmar e faz bem em
rearmar-se já. Uma Alemanha que se rearma, (compra F-35 aos EUA, e já pensa em
encomendar o Domo de Ferro aos israelitas) e que porá a sua indústria e
engenharia a produzir e a inventar mais armas. Rapidamente terá armas nucleares, se quiser. Rapidamente se converterá numa grande potência militar. Rezam as Crónicas
da Segunda Guerra Mundial* que a Alemanha ao entrar na guerra tinha 57
submarinos, durante a guerra pôs ao serviço 1 111 e no final ainda lhe
sobravam 785.
A Europa tem de rearmar-se porque nunca se sabe que tipo de putin
se sentará no Kremlin, ou que tipo de trump ou de biden se sentará na Casa
Branca. Porque se hoje é Putin, amanhã a ameaça, poderá vir de outro
lado. Ou até, de vários lados.
E, além disso, continuamos todos muito "interdependentes" da
mui democrática China, respeitadora zelosa dos Direitos Humanos. E que dizer da nossa interdependência com a mui democrática
Turquia, um paraíso dos Direitos Humanos, que ocupa o Norte de um país da U.E.
e pertence à NATO. Quando Portugal integrou a NATO, no início, estava longe de
ser uma democracia. Não nos venham falar agora de um conflito pela liberdade e
pela democracia. A Ucrânia tem de lutar pela sua autodeterminação e liberdade contra
o opressor russo. Agora tem. Mas este conflito podia ter sido evitado, se
tivesse havido mais astúcia, inteligência e vontade. Ainda recordamos uma entrevista de Zelensky, antes do início da invasão russa. Como ziguezagueou o
líder ucraniano.
Dizem os brasileiros que as onças se cutucam com varas
longas. Neste caso não houve esse cuidado com a onça russa.
Este conflito foi atiçado. Podia não ter sido. As cidades
podiam estar de pé e os que morreram podiam estar vivos. A Ucrânia podia ter
jogado com o tempo, mas foi colocada ante uma emergência. É uma tragédia,
porque, por definição “uma tragédia é um desastre que podia ter sido evitado”**.
A U.E. não pode andar ao sabor dos interesses das grandes
potências ou tornar-se um joguete dos Estados Unidos da América. A U.E. não
pode ser uma extensão do Império Americano, que nos domina com o seu soft
power, nem de nenhum outro. Macron já percebeu isso e os alemães também.
E De Gaulle tinha uma certa razão. A França foi passada para trás pelos americanos e ingleses na venda de submarinos à Austrália antes desta guerra ter
começado, tal o desespero da indústria de armamento americana, e o chanceler alemão foi humilhado por Biden, quando este, a seu lado, numa conferência de
imprensa, respondeu por ele, que fecharia o gasoduto Nord Stream 2 alemão, como se fosse
ele o Imperador e o chanceler um procônsul. O chanceler permaneceu sempre
calado, mesmo quando antes lhe colocaram a questão.
É disto que a Europa tem de livrar-se: dos ditames dos
Putins e dos Bidens (e dos Trumps) deste mundo. Chegou a hora da Europa, e ela
sozinha, seguir e determinar o seu próprio rumo.
Aos americanos estaremos sempre gratos pelo sangue que
derramaram no passado, nos solos da Europa Ocidental, para a libertarem do imperialismo
e do fascismo. Mas os tempos agora são outros, os americanos são outros e a
Europa é outra.
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(*) AAVV, Grande Crónica da Segunda Guerra Mundial, Vol. 3. Selecções do Readers's Digest, 1978, pág. 458.
(**) Eliot Ackerman, James Stavridis, 2034, 2.ª ed., Penguin Random House, 2022, pág. 251.