quinta-feira, dezembro 28, 2023

O Verde e o Negro

     Serra do Cume, 27 de Dezembro de 2023                                              © AMCD


“A Serra do Cume e a Serra da Ribeirinha constituem os bordos actualmente visíveis da caldeira de colapso do Vulcão dos Cinco Picos, o mais antigo da ilha Terceira. 


Daqui observa-se todo o interior da Caldeira dos Cinco Picos (a maior caldeira dos Açores com um diâmetro médio de 7 km), uma extensa caldeira dominada pelo verde das pastagens e o negro dos muros de pedra vulcânica, onde pontuam cerca de 15 cones de escórias de idade recente.” (Geoparque Açores)

sábado, dezembro 23, 2023

Feliz Natal

 Não o natal do pai natal capitalista, o natal da coca-cola, do consumo desenfreado, o natal americano, das melodias melosas e pegajosas. Natal com letra pequena.


Também não o natal da Igreja, bafienta e criminosa, corrupta e corrompida.


Sim, o Natal de Cristo, o condenado pela falível justiça do Homem, sempre longe da Justiça. Ele, que era mais do que um simples homem, não  aprovaria, por certo, o que fizeram em seu nome, os que mataram em seu nome, os que puniram em seu nome, os que violaram em seu nome.


Feliz Natal, é o que desejamos a quem passar por aqui.


Feliz Natal!

domingo, novembro 26, 2023

Os Direitos da Natureza

 



«Perante este cenário [de degradação dos ecossistemas terrestres motivada pela intervenção humana e pelos fenómenos climáticos extremos], a escolha que a Humanidade terá de fazer está entre continuar o crescimento desequilibrado dos últimos 50 anos, baseado em consumo e produção insustentáveis, ou transitar para uma vivência responsável com a Natureza com actividades, comportamentos e atitudes de solidariedade: antecipação e prevenção, a par duma eficaz e eficiente implementação de medidas e acções de regeneração e recuperação das áreas e ecossistemas degradados. O recente reconhecimento do direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável, sendo relevante no contexto actual, coloca igualmente em evidência os direitos da Natureza

 

Maria José Roxo, Desertificação em Portugal, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2023, pág. 18-19 (realce nosso)

 

***

 

Não tínhamos ainda ouvido falar dos direitos da Natureza. Ainda que o ser humano não se devesse excluir da Natureza, pois também ele é um animal (embora, no caso, se fale de uma segunda natureza), a ideia parece-nos espantosa. Afinal, se há uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque não uma Declaração Universal dos Direitos da Natureza, de forma a protegê-la das actividades humanas intrusivas e disruptivas dos ecossistemas? Há aqui um conceito que vale a pena explorar.

 

A voz do Homem é também a voz da Natureza, uma natureza falante e reflexiva. Uma Natureza que se questiona a si mesma, assim como a sua própria origem e existência. O Homem tem toda a legitimidade para criar essa Declaração Universal dos Direitos da Natureza. Aliás, tem esse dever.

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A Fundação Francisco Manuel dos Santos está de parabéns, pois dá-nos a conhecer os pensamentos dos melhores académicos portugueses de diferentes áreas, como é o caso da Professora Maria José Roxo relativamente à Geografia.


segunda-feira, outubro 23, 2023

A moral dos superiores

«A memória do Holocausto torna mais pesada a mão dos ocupantes israelitas dos territórios árabes: mantém-se viva a recordação da rentabilidade das deportações de massa, as rusgas, a tomada de reféns e os campos de concentração. À medida que a história avança, a injustiça tende a ver-se compensada por uma outra injustiça acompanhada pela inversão dos papéis. Só os vencedores, enquanto a sua vitória permanece incontestada, consideram (ou deformam) essa compensação como triunfo da justiça.  A superioridade moral é vezes de mais a moral dos superiores.»

Zygmunt Bauman (1995)

Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, Relógio d’Água, 2007, p.188.

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Não se deve responder à barbárie com a barbárie. A lei de talião, no caso do conflito israelo-palestiniano, não se deve aplicar, caso contrário também se tornará bárbaro quem a aplica. O mais forte tem o dever moral de ponderar a resposta à agressão, quando essa resposta implicar a perda de vidas humanas inocentes (crianças, principalmente), ainda que tenha o direito de se defender contra a agressão, e ainda o direito e o dever de tudo fazer para libertar os reféns, com vida e saúde, se possível. Esta é a nossa posição, nesta fase do conflito israelo-palestiniano, que não se iniciou no dia 7 de Outubro, ainda que nesse dia os terroristas (sim, terroristas e não “combatentes”) tenham agredido barbaramente os israelitas. Se um dos inimigos não parar a espiral de violência, então a barbárie não terá fim.

Tempestade Bernard

 


domingo, outubro 08, 2023

Bandeira vermelha

     Bandeira vermelha, Fonte da Telha, 17 de Setembro de 2023                               © AMCD


     Terminus, Fonte da Telha, 17 de Setembro de 2023                                              © AMCD


sexta-feira, outubro 06, 2023

Praia de Altura, Algarve, 6 de Outubro de 2023

 

      Praia de Altura, Algarve, 6 de Outubro de 2023                                                    © AMCD

Não, não é o apocalipse. É a 6ª extinção, pá!

 



O “Apocalipse” é um conceito religioso, uma profecia de São João, um livro da Bíblia. Já a “extinção”, as cinco extinções que precederam a actual, estão cientificamente comprovadas (ao contrário dos apocalipses, sempre desmentidos, porque são baseados numa crença irracional). Infelizmente a situação actual não é um desses apocalipses que poderão vir a ser desmentidos. Seria bom se assim fosse. A situação actual exige planeamento, preparação e acção.

O camarada ali em cima, se pensa que os activistas agem com base numa crença religiosa e obscura, engana-se redondamente. O mundo já se encontra em colapso e ele ainda não reparou (sugiro-lhe a leitura do livro de Jared Diamond, Colapso, Gradiva, 2008).

 

É caso para dizer: “Fia-te na Virgem e não corras, pá!”

 

E não, o capitalismo não vai salvar-nos, como atestam, por exemplo, as extensas áreas dedicadas à lucrativa cultura do abacate, altamente consumidora de água, nos áridos concelhos do Algarve. Um dia destes, ainda vamos ter de decidir se a escassa água disponível nas albufeiras e nos mantos freáticos, vai para os campos de abacateiros e para os campos de golfe ou para a população das aldeias e lugarejos que povoam a serra seca. Impunham-se outras culturas, adaptadas à secura e poupadoras de água, mas a cobiça fala mais alto (nem multas ou ordens do tribunal demovem estes "grandes" agricultores).

 

Entretanto, continua no discurso dos políticos o mantra do “crescimento económico” a todo o custo, custe o que custar, com o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, a adiar as medidas conducentes à redução da emissão de gases com efeito de estufa por mais 5 anos, lá para 2035, para não comprometer o “crescimento económico” do seu país. O capitalismo é belo.

 

Deixo aqui algumas notícias destes dias que correm (não, não é um apocalipse).




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A calma da paz

 Ora, a calma da paz incita ao esquecimento, ao passo que o ruído e o furor dos conflitos jamais abandonam a memória.

Michel Serres*

(*) Michel Serres, Antes é que era bom! Guerra & Paz, 2018, p. 15 



segunda-feira, outubro 02, 2023

sexta-feira, setembro 01, 2023

Lusco-fusco

 




Fonte da Telha, 30 de Agosto de 2023                                                        © AMCD

Enquanto a lua azul não vem, jogo de sombras.



quinta-feira, agosto 31, 2023

Corrida

 


       Fonte da Telha, 30 de Agosto de 2023                                                   © AMCD

quarta-feira, agosto 30, 2023

Rica Ericeira

 

       Ericeira, 2017                                                                                                              © AMCD

Um dos lugares mais frescos de Portugal para escapar à canícula, descoberto agora pelos ricos.

domingo, agosto 13, 2023

Abismos

 

O mundo não está bem. Raramente, nas últimas décadas, esteve tão perto de abismos diversos.

António Barreto, aqui e no Público de hoje

 

Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

                                                             Nietzsche

 

Abismos diversos. Temos o abismo nuclear, o abismo climático, o abismo demográfico, o abismo económico e financeiro (as crises geradoras de desemprego e miséria), o abismo sanitário (virológico e bacteriológico, pandémico), o abismo político (a ascensão dos regimes autoritários) e mais algum abismo que nos escapa ou, pior, que desconhecemos, como o peru do Dia da Acção de Graças que nem suspeita o que lhe vai acontecer, tão bem tratadinho que é. 

 

Caminhamos numa senda perigosa e estreita, rodeada de abismos. Não sabemos como estaremos quando sairmos daqui, ou se iremos sequer sair daqui.

 

E o que acontece quando nos pomos a mirar os abismos mais profundos, ali, até onde a vista alcança e se perde no negrume? Ouvimos soar do fundo uma ameaça aterradora. Um rugido gutural, nunca ouvido. O fim.

 

O melhor é atalhar caminho e estugar o passo, sem olhar para trás.

sexta-feira, agosto 11, 2023

Ainda a Igreja kitsch

 Há momentos em que o Kitsch se pode tornar uma coisa nauseabunda e é difícil imaginar que a própria hierarquia da Igreja não reconheça e não se sinta incomodada por ela.

António Guerreiro

"Deus ex Media", Ipsilon, Público, 11 de Agosto de 2023


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O que é a Igreja afinal, senão a primeira multinacional do mundo, com as suas sucursais implantadas desde cedo em todos os continentes, à excepção da Antárctida.  Os seus serviços religiosos têm de ser promovidos de modo a serem empacotados e vendidos em todo o lado. Vive por isso bem com o kitsch.


Paulatinamente, e só dessa forma, a Igreja, com a sua inércia temporal, vai-se ajustando lentamente à rápida mudança social imposta pelas agendas progressistas. Também ela muda, sob pena de, se não o fizer, não conseguir vender os seus serviços, independentemente da vontade de Cristo (que expulsou os vendilhões, uma espécie de mercadores, do templo). Se a Igreja é a esposa de Cristo, então é uma esposa emancipada e empoderada que não precisa da anuência do marido para ir mais além. Nada que não soubéssemos há muito. 

domingo, agosto 06, 2023

Tudo muda

Todos os dias nasce um sol novo. (Heraclito) 

Ninguém pode regressar ao lugar onde já esteve. A cada microssegundo deixamos de ser quem éramos. A cada microssegundo somos já outro e assim é com todos os lugares.  Assim é com o Sol. Ninguém volta ao que já deixou. Esta é a mensagem da cantiga do pastor. 

 

Pastor

«Ai que ninguém volta
Ao que já deixou
Ninguém larga a grande roda
Ninguém sabe onde é que andou

Ai que ninguém lembra
Nem o que sonhou
Aquele menino canta
A cantiga do pastor»

 ***

sábado, julho 29, 2023

Mercadejar

 Quem nunca mercadejou, que atire a primeira pedra.

Uma religião pop, uma religião kitsch, um Papa pop e cardeais muito pops

 

De facto, é impossível fugir ao kitsch, procurando refúgio na religião, quando a própria religião é kitsch. A «modernização» da Missa católica e do Livro de Oração anglicano foi, na verdade, um processo de kitschificação; e as intenções da arte litúrgica estão, hoje em dia, contaminadas pela mesma efemeridade. As cerimónias litúrgicas comuns das igrejas constituem um testemunho confrangedor de que a religião está a perder a sua orientação puramente divina, e a converter-se ao mundo da produção em massa.

Roger Scruton (1998)

A Cultura Moderna, Edições 70, 2021 pág. 125 (destaques nossos)

***

 

Hoje temos uma religião pop, missas pop, Papa pop, bispos pop, cardeais pop, os portugueses, burgueses até ao tutano, tolentinos & aguiares. A aparição do Papa, em qualquer lugar, é celebrada como uma efemeridade, um grande evento de marketing religioso. Esta é a Era do Mercado, que tomou conta de tudo.  


terça-feira, julho 11, 2023

O país dos bufos


A Inquisição oficializada principalmente a partir da Contra-Reforma prolonga-se até ao século XIX em Portugal. O Pombalismo terá também essa faceta inquisitorial bem patente na sua polícia específica, assim como as décadas de vigilância fascista no século XX, ou, embora com aspectos bem distintos, o Estado democrático exerce também o controlo quase absoluto da sociedade nos últimos 50 anos.

A Inquisição transformou-se num modelo mental e estruturou de modo profundo o nosso plano de comportamentos, as dimensões morais e até judiciais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 140

 

Cumpre-se por obediência e medo, na maior parte das vezes irracional, não por respeito ou por se considerar que seguir determinado caminho é o mais correcto e eficaz. Mexericos e bisbilhotices, a má-língua no trabalho e na vizinhança, a pequena calúnia, são vestígios de uma cultura de resquícios inquisitoriais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 129

 

Continuamos a construir os nossos panópticos sociais sob a égide da governação do Partido Socialista.

Temos agora um Portal da Delação, digo, Portal da Denúncia (procedimento muito socialista e até nacional-socialista ou estalinista).


Maravilhoso mundo novo. Aos poucos a liberdade e a privacidade vão perdendo território para o controlo social. Que ideia maravilhosa essa a de os cidadãos controlarem os cidadãos.

Suspeito que alguns de nós têm no seu DNA um gene mais desenvolvido: o gene inquisitorial. Em Portugal a Santa Inquisição durou até ao século XIX. Um período tão prolongado de controlo das ideias não poderia deixar de marcar a genética social e a de muitos portugueses.

Com o Portal da Denúncia, far-se-á da pequena calúnia grande. Como a imagem sugere, o pequeno caluniador tem agora um altifalante para se fazer ouvir.  Para nosso bem e com cobertura governamental.

domingo, julho 09, 2023

Tordesilhas

 


Daqui.

A soberba desta gente. Nem se dão conta. Na sua cabeça o mundo pode perfeitamente ser dividido em dois, qual novo Tordesilhas. “O mundo é suficientemente grande para os EUA e a China”. É traçar um meridiano para que não se atropelem na sua hegemonia sobre os demais. Que grandes que eles são.

domingo, maio 28, 2023

sábado, abril 29, 2023

Balada para os poetas andaluzes de hoje

 «Me marché con el puño cerrado… Vuelvo con la mano abierta.»

RA


«Balada para los poetas Andaluces de hoy»


¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?

¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?

¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre, ¿pero dónde los hombres?

Con ojos de hombre miran, ¿pero dónde los hombres?

Con pecho de hombre sienten, ¿pero dónde los hombres?

Cantan, y cuando cantan parece que están solos.

Miran, y cuando miran parece que están solos.

Sienten, y cuando sienten parece que están solos.


¿Es que ya Andalucía se ha quedado sin nadie?

¿Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?

¿Que en los mares y campos andaluces no hay nadie?

¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta?

¿Quien mire al corazón sin muros del poeta?

¿Tantas cosas han muerto que no hay más que el poeta?


Cantad alto. Oiréis que oyen otros oídos.

Mirad alto. Veréis que miran otros ojos.

Latid alto. Sabréis que palpita otra sangre.

No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo

encerrado. Su canto asciende a más profundo

cuando, abierto en el aire, ya es de todos los hombres.


Rafael Alberti.


De: «Ora marítima» –  1953


***


Balada para os poetas andaluzes de hoje

 

Que cantam os poetas andaluzes da agora?

Que olham os poetas andaluzes da agora?

Que sentem os poetas andaluzes da agora?

 

Cantam com voz de homem, - mas onde estão os homens?

Com olhos de homem olham, - mas onde estão os homens?

Com peito de homem sentem, - mas onde estão os homens?

 

Cantam e quando cantam parece que estão sós.

Olham e quando olham parece que estão sós.

Sentem e quando sentem parece que estão sós.

 

Será que a Andaluzia está já sem ninguém?

Nos montes andaluzes não haverá ninguém?

Nos mares e campos andaluzes não haverá ninguém?

 

Não haverá já quem responda à voz do poeta?

Quem olhe o coração sem muros do poeta?

Tantas coisas morreram que não há mais que o poeta?

 

Catai alto. Ouvireis que ouvem mais ouvidos.

Olhais alto. Vereis que olham outros olhos.

Pulsai alto. Sabereis que palpita um outro sangue.

 

Não é mais fundo o poeta em seu subsolo escuro

encerrado. Seu canto ascende mais profundo

quando, aberto, no ar, é de todos os homens.

 

Rafael Alberti (trad. por José Bento)

Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio e Alvim, 1985


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Nunca

Ken Follet, Nunca, Editorial Presença, 2021

ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ


O fim é certo como o destino.

(E nada mais me apraz dizer. Apenas que é uma boa leitura e que entretém)

sexta-feira, abril 28, 2023

O Douro


      Porto, Dezembro de 2022                © AMCD

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        O Douro

 

        Não é a tristeza que encontro

        Quando caminho pela margem

        Do Douro, no Porto.


        O seu vinho, as suas gentes e os verdes olhos das minhotas,

        Aquecem-me o coração.


        Nem o céu plúmbeo

        Me pesa.


        Ali consigo esquecer a dor.

        Como um ópio que me invade o corpo,

        Uma aguardente.

        Esqueço tudo,

        Até a solidão.

quinta-feira, abril 27, 2023

Píncaro adiado

 

      Serra da Estrela, Abril de 2023                                                          © AMCD


No píncaro do território de Portugal Continental jazem duas torres degradadas e uma promessa recente: “Investimento de €30 milhões cria um observatório, residências científicas, áreas comerciais e um teleférico para ligar três aldeias do maciço central”. Assim reza o subtítulo da notícia do semanário Expresso. Reparai no tempo do verbo criar. Deveria ler-se “criará” ou “irá criar”. Não! A coisa já está feita!

Eis o expoente máximo de um país, num dos seus lugares mais simbólicos: degradação e promessas. 

Amanhã é que é.

quarta-feira, abril 26, 2023

Medvedev‎ no epicentro

  

O futebol é a zombaria da guerra, campal ou política.

(Ortega y Gasset)

 

Medvedev‎ arenga no hangar:

5 000º Kelvin, calor nuclear,

350 m/s, a deslocação do ar

(e tudo o vento levou, no epicentro nuclear)


Radiação penetrante, radiação ionizante

Impulso electromagnético, explosão nuclear.

Arenga o Medvedev, que nos quer intimidar.

 

Tenham medo, muito medo.

Ui, ui, que medo, Medvedev.

(Faz isso não)

 

(Enquanto isso, a Europa vira o cu a Medvedev

E abanca no estádio, que é dia de futebol.)

 

Vá falando Medvedev, vá falando.

Arengando, não faz mal.

Cova da Beira ao alvorecer

 

          Alvorada em Abril, na Cova da Beira                 AMCD ©

            

          Quando tiver de zarpar, fá-lo-ei pela alvorada. Rumarei a Oriente, pela terra imaculada.                          

terça-feira, abril 25, 2023

“Investir no nosso planeta”

 


Lido no Público de 21 de Abril:

 

«Num artigo publicado em Fevereiro, investigadores chilenos mostram que os seres humanos e os animais domésticos e pecuários superam em muito os animais selvagens, que representam 6% da biomassa de mamíferos da Terra.»

 

Maria Amélia Martins-Loução, “Investir no nosso planeta”, Público 21/04/2023, pág. 27


***

Tem-se investido no planeta, que consideramos nosso, contudo nem o planeta é nosso (quem somos nós para nos apropriarmos dele? E, no entanto, é isso que fazemos, vezes sem conta, sem nos apercebermos que nós é que somos do planeta), nem se tem investido pelo planeta. Mas muito se investe no planeta: em ranchos e unidades industriais, unidades agro-pecuárias, criação de cães e gatos, vacas e porcos, construção de minas e unidades de extracção de combustíveis fósseis. Eucaliptais, palmeirais, extensos campos de soja, modernas frotas de pesca. O planeta está cheio de investidores, gestores, empreendedores, visionários do potencial ganho a retirar do “capital natural” e ecossistémico, neoliberais e “homens do futuro”, para parafrasear Sloterdijk, aqui.

 

As palavras “investir”, “gerir” remetem para o léxico científico económico e empresarial. O “património natural”, como bem diz a professora, é delapidado, porque os investidores acima referidos não o veem como tal. Para eles, o “património natural” é “capital natural”. Um filão a explorar.

 

Talvez precisemos de uma revolução no pensamento: deixar de considerar nosso o planeta – a vida que nele habita, entre a qual nos contamos, e a que estamos a destruir, pertence ao planeta. Talvez não se trate de gerir o planeta, mas de zelar por ele, impor vastos espaços onde os cobiçosos gestores não ponham a pata (perdoem-me a expressão plebeia). Dirão que a determinação desses espaços, livres da acção e do olhar cobiçoso do capitalista, também passa por uma gestão do espaço. Sim, mas talvez seja necessário algo mais do que uma simples gestão.

25 de Abril em 2023


Como uma vela que se acende num templo antigo, num ritual eternamente repetido, celebramos a memória da Liberdade. A Liberdade. Celebramos o dia em que a Liberdade saiu à rua.

Hoje discursam amigos e inimigos da Liberdade. Ouço-os na assembleia. A Liberdade e a Democracia assim o permitem.

segunda-feira, abril 24, 2023

Para quem não sabe o que o neoliberalismo é

 


Detalhe da capa do semanário Expresso, 14 de Abril de 2023 

(excepto o balão amarelo e o rectângulo vermelho, que são destaques nossos )

***

E é escusado argumentar com esta gente. Para eles o neoliberalismo é um credo, e, portanto, são surdos a qualquer contra-argumento racional ou científico.

Como uma erva daninha, o credo neoliberal defendido pelos lacaios das elites dominantes em jornais mui burgueses e liberais como o Expresso - burguesitos à espera das migalhas caídas da mesa do patrão e de um afago na sua fiel e canina cabeça – teima em medrar, ainda que denunciado vezes sem conta na sua injustiça.

Diga-se de passagem, que não são todos os que lá escrevem, mas nós sabemos quem são esses “alegres papagaios” e eles também sabem quem são. Os de servil escrita.


sábado, abril 22, 2023

O crepúsculo das estâncias invernais

 

           Serra da Estrela, Abril de 2023                                                          © AMCD    

O Inverno retira-se uma vez mais, até um dia deixar de regressar. Tanto aqui como nas estâncias alpinas e noutras montanhas das latitudes médias, assistimos ao crepúsculo das estâncias invernais. A paisagem sempre mudou inevitavelmente, e agora, aceleradamente. Os helvéticos já se debatem com o retrocesso dos glaciares. Preciosos glaciares. Recursos turísticos perdidos para todo o sempre. E nós, nesta serra, que não se alça aos 2 000 metros de altitude, ansiamos pela neve, mas a neve já não vem.

sexta-feira, abril 21, 2023

O urso da serra

     Serra da Estrela, Abril de 2023                                                          © AMCD           

Lá em cima, na serra, há um urso contemplativo e melancólico, principalmente se for observado a partir de um certo ângulo. Mas atenção à aproximação, não vá o animal espantar-se e sair por ali a correr espavorido, acabando por rebolar pelas encostas.

sábado, fevereiro 25, 2023

Roma

 

Ferdinand Addis, Roma, História da Cidade Eterna, Crítica, 2022.

⭐⭐⭐⭐

Eis-nos lançados nas ruas de uma cidade antiga. Tão antiga que se diz eterna. Ali nos cruzamos com personagens de todas as eras. Assistimos às assembleias entre a plebe, frente ao templo de Júpiter, no topo do monte Capitolino. Vimos passar César na sua biga triunfal e o escravo que, atrás dele, de vez em quando se lhe assoma ao ouvido para lhe murmurar que é apenas um homem, à passagem entre a multidão que o aclama como se fosse um deus.

 

Ali nos cruzámos com Marco Aurélio, Séneca, Ovídio e Nero e muitos mais. Mas não ficámos apenas naquele tempo romano. Acabamos por atravessar os tempos, naquela cidade. Chegámos a combater entre os camaradas de Garibaldi. Também ali deparámos com Mussolini, já no século XX, uma besta sexual com o QI de um sapo. Ele e a sua última amante, executados e dependurados. E Fellini e a sua Dolce Vita.

 

A história de Roma é também a história da civilização Ocidental. Está embrenhada nela. Vindos da recém-descoberta América, os marinheiros de Colombo inauguram a propagação da sífilis pela cidade das prostitutas. Isto para dizer que também as longínquas descobertas ecoaram nas ruas e nas vidas dos cidadãos de Roma.

 

Muito haveria para contar dos ilustres personagens que desfilaram na história da cidade.

 

Ferdinand Addis consegue colocar-nos lá, no espaço e no tempo. Viajamos por Roma desde a sua origem até ao século XX e com os romanos. Somos espectadores, somos participantes.

 

Um livro excelente, repleto de acção e movimento, dinâmico, que se lê como um romance.

 

*****

Uma passagem:

«Enquanto os godos recuavam, as balistas nas muralhas entraram em acção. Estas eram uma espécie de bestas gigantescas: máquinas de arremesso de flechas com dois braços equipados com molas de torsão, capazes de disparar virotes curtos e grossos a distâncias além do que a vista alcançava. Estas máquinas aterrorizavam os godos. Na Porta Salária, por onde a velha estrada do sal saía da cidade, um nobre godo que se afastou demasiado das suas linhas foi atingido por um virote disparado por uma equipa de balista com a pontaria afinada. O virote trespassou-lhe a couraça e pregou-o a uma árvore, deixando-o a baloiçar-se e a contorcer-se, enquanto os godos mais próximos, demasiado assustados para o ajudarem, tropeçaram uns nos outros com a pressa de ficarem fora do alcance.»

 

Ferdinand Addis, Roma, História da Cidade Eterna, Crítica, 2022, pp. 244-245

terça-feira, fevereiro 21, 2023

Os dias do fim

Canção

O último pássaro

canta nos álamos.

A luz fatigada

 tropeça nos ramos.

A terra é apenas

 memória de lábios.

Ah, canta, canta,

rouxinol da água.

 

                                   Eugénio de Andrade (1961)

 

***

Um dos poemas para estes dias é a canção do último pássaro. É difícil discernir o espírito do tempo em que vivemos quando vivemos neste tempo. O que virá? O precipício sobre o mar rumorejante ou a luz dos prados verdejantes? Já cantarão os últimos pássaros neste planeta fatigado, de solo ressequido? Um último rouxinol canta antes da longa noite escura? 


O que virá?

 

O silêncio.

 

A Terra nem memória será.

 

Epílogo

 

Devastámos a Terra, conspurcámos o mar, poluímos o céu. Nem as profundezas e os abismos escaparam ao fluxo e refluxo das nossas cloacas. Nem as mais altas montanhas.

 

A Terra devastada. O mar conspurcado. O céu poluído. A vida à beira da extinção.

 

Depois do canto do último pássaro, sabemos que advirá o silêncio. Daremos entrada no reino sombrio das criaturas da noite, enquanto remanescerem criaturas. Uma longa noite, repleta de horrores. Os últimos seres, almas, espíritos e medos. Mutantes sem memória. E por fim, nem a memória restará.


Soprará o vento nas ruínas das cidades.

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