segunda-feira, julho 30, 2012
domingo, julho 29, 2012
Grandes aberturas: Crónica de uma Morte Anunciada
«No dia em que iam matá-lo,
Santiago Nassar levantou-se às 5.30 da manhã para esperar o barco em que
chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas,
onde caía uma chuva miúda e branda, e por uns instantes foi feliz no sono, mas
ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros. «Sonhava sempre com
árvores», disse-me a mãe, Plácida Linero, recordando 27 anos depois os
pormenores daquela segunda-feira ingrata. «Na semana anterior tinha sonhado que
ia sozinho num avião de papel de estanho que voava sem tropeçar por entre as
figueiras», disse-me. Tinha uma reputação bastante bem ganha de intérprete
certeira de sonhos alheios, desde que lhos contassem em jejum, mas não
descobrira qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos
restantes sonhos com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam a
sua morte.»
Gabriel Garcia Márquez,
Crónica de uma Morte Anunciada, Publicações
Dom Quixote, 1995.
***
A minha passagem preferida:
«Até então não tinha chovido. Pelo
contrário, a Lua estava no meio do céu, e o ar era diáfano, e no fundo do
precipício via-se a regueira de fogos-fátuos no cemitério. Do outro lado
divisavam-se as sementeiras de bananas azuis ao luar, os pantanais tristes e a
linha fosforescente do Caribe no horizonte.»
Op. Cit., pág. 60
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Grandes Aberturas
sábado, julho 28, 2012
Olímpicos
Era bom que se seguisse o antigo costume de se estabelecer uma trégua enquanto os Jogos decorrem. Os Jogos não eram circo nem o deveriam ser. Mas como fugir à civilização do espectáculo? Também ela quer deixar a sua marca. Contudo sabemos que estes Jogos são intemporais, tendo já sido cantados por antigos poetas e patrocinados pelos deuses.
terça-feira, julho 24, 2012
Steiner, sobre o actual empobrecimento da educação
«É aqui que eu quero chegar. O que é importante é orientar a
atenção de um aluno para aquilo que, de início, excede a sua compreensão, mas
cuja estatura e fascínio irresistíveis o atraem. A simplificação, o
nivelamento, a redução da fasquia, que dominam agora toda a educação, salvo a
mais privilegiada, são criminosos. Descuram fatalmente capacidades que
permanecem ocultas. Os ataques ao chamado elitismo escamoteiam uma condescendência
vulgar para com todos aqueles que julgamos a
priori serem incapazes de fazer melhor. Tanto o pensamento (o conhecimento,
Wissenschaft, a imaginação a que se dá
forma) como o amor exigem demasiado de nós. Tornam-nos humildes. Mas a humilhação
e até o desespero face à dificuldade – depois de suarmos durante toda a noite,
a equação ainda por resolver, a frase grega por compreender – podem irradiar com
a luz do Sol.»
George Steiner, Errata:
Revisões de uma Vida, Relógio d’Água, 2009, pp. 60
segunda-feira, julho 23, 2012
Grandes aberturas: O Coração das Trevas
«A Nellie, uma iole de recreio, balançou a
âncora sem o mais leve bulir das velas e imobilizou-se. A maré enchera, a
calmaria era quase total e, sendo o nosso rumo rio abaixo, a única coisa a
fazer era virar de ló e esperar que a maré mudasse.
O estuário do
Tamisa espraiava-se à nossa frente como a embocadura de um canal de navegação
interminável. Ao largo, o mar e o céu uniam-se sem uma cissura e, no espaço
luminoso, as velas curtidas pelo sol das lanchas que vogavam ao sabor da maré
pareciam estáticas em aglomerados vermelhos de velas repicadas, com revérberos
de espichas envernizadas. Uma bruma cobria as margens baixas que avançavam para
o mar numa planura que ia desaparecendo. O ar estava escuro sobre Gravesend e,
ainda mais para trás, parecia adensar-se num negrume fúnebre, como se cismasse,
melancólico e imóvel, sobre a maior, e também mais importante, cidade da
terra.»
Joseph
Conrad, O Coração das Trevas,
Publicações Dom Quixote, 2009
Poderíamos
pensar que a navegação dentro dos estreitos limites das margens fluviais seria
mais segura do que a ilimitada navegação no mar alto, mas não é assim, e muito
menos quando o rio por onde se navega penetra no coração das trevas. No Coração das Trevas a narrativa começa
num rio e noutro rio prossegue na maior parte da obra, mas é a selva, sempre
a selva - desconhecida, ameaçadora, impenetrável - que tolhe a nossa atenção. É
na selva, território do medo, que se esconde a insanidade. Kurtz está no seu
meio.
***
«Os troços de rio
entre meandros abriam-se à nossa frente e fechavam-se atrás de nós, como se a
floresta tivesse atravessado paulatinamente a água para nos barrar o caminho.
Embrenhávamo-nos cada vez mais profundamente no coração das trevas.»
Op. cit.,
pág. 68
«No entanto,
eu também julgara a selva impenetrável, nas duas margens, e afinal havia olhos
nela, olhos que nos tinham visto.»
Op.
cit., pág. 82
«O burburinho
de gritos furiosos e aguerridos emudeceu de repente, sucedendo-lhe, vindo das
profundezas da floresta, um trémulo e profundo lamento de medo desolado e
desespero absoluto, só comparável ao que imaginamos se seguirá à morte da
derradeira esperança na terra.»
Op.
cit., pág. 88
«Olhei em
redor e, embora não soubesse porquê, garanto-lhes que nunca, nunca antes, esta
terra, este rio, esta selva, a própria abóbada desse céu escaldante, me tinha
parecido tão desesperados, tão sombrios, tão impenetráveis ao pensamento
humano.»
Op. cit., pág. 105
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Sublinhado
domingo, julho 22, 2012
Redes hidrográficas em Titã
Os rios de Titã, um dos satélites de Saturno, são de metano líquido e as redes hidrográficas do planeta assemelham-se às terrestres, com os seus meandros. Existem também lagos de metano líquido.
Progresso
«Não existe progresso na História, a não ser instrumental. Podemos matar
muito mais gente com uma bomba H do que com um machado de pedra, e as
matemáticas contemporâneas são infinitamente mais ricas, poderosas e complexas
do que a aritmética dos primitivos. Mas uma pintura de Picasso não vale nem
mais, nem menos, do que os frescos de Altamira ou Lascaux, a música balinesa é
sublime e as mitologias de todos os povos revestem-se de uma beleza e de uma
profundidade extraordinárias. Se quisermos situar então as coisas num plano
moral, basta olhar à nossa volta para deixar logo de falar em «progresso». É um
significado imaginário essencialmente capitalista, no qual até o próprio Marx
se deixou apanhar.»
Cornelius Castoriadis, A Ascensão da Insignificância.
Bizâncio,2012. pp. 105
Eis uma dos facetas do progresso:
Um macaco nu com armas atómicas e aceleradores de partículas, ébrio de tanto poder, julga-se um deus: "Now I am become death, the destroyer of worlds." (Robert Oppenheimer citando um texto Hindu, o Bhagavad Gita)
O futuro pode ser um lugar fascinante*.
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*Para Braden Allenby, o futuro é "incerto, diferente, mais difícil, mas fascinante". Será?! O «progresso» deixa-nos apreensivos.
Há quem lhe veja tristeza e arrependimento no olhar. Impossível! São lágrimas de crocodilo. Ali mora o fascínio. E havia que cunhar rapidamente o feito com uma frase memorável. Fizeram o mesmo quando pisaram a lua. Uma frase ensaiada: "Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade". Na verdade todas as grandes caminhadas começam com um pequeno passo, até as guerras atómicas.
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*Para Braden Allenby, o futuro é "incerto, diferente, mais difícil, mas fascinante". Será?! O «progresso» deixa-nos apreensivos.
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«O progresso é o negócio de toda a gente», dizem eles.
Se o progresso é o negócio de
toda a gente e, acima de tudo, se é um negócio, então não pode ser para toda a
gente. Mas enfim… o que dizer? É a «ética» dos negócios.
sábado, julho 21, 2012
长颈鹿
«No nono mês do
ano chia-wu do período Yongle (1414)
veio um k’i-lin do país de Bengala e
foi formalmente apresentado como tributo à Corte. Os ministros e o povo
reuniram-se todos para o admirar e a sua ventura não tem limites. Eu, Vosso
servo, ouvi dizer que quando um sábio possui a virtude da máxima benevolência
de tal modo que ilumina os lugares mais escuros, então aparece um k’i-lin.»
Academia Imperial Chinesa, séc. XV, in Daniel
Boorstin, Os Descobridores, Gradiva,
1994, pp. 188.
«Deveras foi criado um k’i-lin cuja forma tinha 4, 5 m de altura,
Com o corpo de um cervo e a cauda
de um boi, e um chifre carnudo e sem osso,
Com manchas luminosas como uma
nuvem vermelha numa névoa purpúrea.
Os seus cascos não pisam seres
vivos, e nas suas perambulações escolhe cautelosamente o seu caminho,
Anda de modo imponente e no seu
movimento respeita um ritmo,
A sua voz harmoniosa soa como um
sino ou um tubo musical.
Meigo é este animal que em toda a
Antiguidade apenas uma vez foi visto,
A manifestação do seu espírito
divino ascende para a morada do Céu. »
Academia Imperial Chinesa, séc. XV
in Daniel Boorstin, Os Descobridores,
Gradiva, 1994, pp. 189.
Parece que os britânicos afinal, foram os primeiros a chegar
(Post dedicado ao Ega d' "O Inútil", um grande adorador dos Monty Python, embora estes não sejam os Monty Python)
Marte: Opportunity
(clicar para ampliar)
O Homem precede a máquina. A máquina precede o Homem: o Homem-máquina.
O Homem precede a máquina. A máquina precede o Homem: o Homem-máquina.
Não é a pegada humana que vinca o solo marciano. É o rasto da máquina.
A pegada humana virá depois, se vier.
(Ainda assim não será a de um pé descalço, mas a de uma sola)
(Ainda assim não será a de um pé descalço, mas a de uma sola)
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Gostei disto: Braden Allenby no "Tempo e o Modo"
Foi uma descoberta. Pensamento "out of the box". Só não percebemos é por que razão a RTP 2 tem disponíveis todos os episódios na Internet excepto o de Braden Allenby. O documentário integral deveria estar aqui.
sexta-feira, julho 20, 2012
Na SIC Notícias, no Expresso da Meia-noite
Está um Sr. na SIC Notícias [no Expresso da Meia-Noite] a dizer que o Tribunal Constitucional não pode imiscuir-se na política macroeconómica, pois essa é da competência do Governo. Pois é!
E a política macroeconómica do Governo pode fazer-se atropelando a Lei Fundamental? Nessa circunstância não pode o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre tal política macroeconómica?
José Hermano Saraiva (1919-2012)
Um grande comunicador e divulgador da História de Portugal. É assim que o recordamos, sabendo que foi muito mais do que isso.
Partiu hoje.
quinta-feira, julho 19, 2012
Os polícias do mundo
Um atentado terrorista supostamente
apoiado pelos iranianos é perpetrado em território búlgaro contra turistas
israelitas e o presidente norte-americano já prometeu ajudar a levar os responsáveis perante
a justiça. Aqui.
Mas havia algum norte-americano
entre as vítimas? O atentado foi em território norte-americano? E o presidente chinês
também promete ajudar a levar os responsáveis perante a justiça? E já agora, o
que diz o presidente da Bulgária? Também ele ajudará? Mas por que diabo hão-de
ser os americanos os polícias do mundo? Quem lhes outorgou esse papel? Além
disso, o atentado foi num dos estados-membros da U.E. O que diz o presidente da
U.E.? São os EUA que policiam agora o território da U.E. ou o território búlgaro?
Adenda: posteriormente soube-se que o terrorista tinha uma carta de condução falsa do estado do Michigan, nos EUA. Saberia Obama deste facto, antes de proferir a sua promessa? Ver aqui.
Adenda: posteriormente soube-se que o terrorista tinha uma carta de condução falsa do estado do Michigan, nos EUA. Saberia Obama deste facto, antes de proferir a sua promessa? Ver aqui.
Da crise sistémica
Ouvimos o economista João Salgueiro falar na TV sobre a crise sistémica. Disse que o país de há doze anos para cá baseou o seu modelo económico no crédito fácil. Que nos tornámos viciados no crédito e que o problema se colocou quando os credores nos negaram mais dinheiro. Que nos encontramos agora numa situação análoga à de um país que tivesse perdido uma guerra devastadora. Que por isso temos de mudar de vida, ou seja, de modelo económico e começar de novo. Que o país tem de, doravante, basear o seu desenvolvimento no investimento produtivo não público. João Salgueiro olhou para o país.
Cornelius Castoriadis viu mais longe, porque o problema é mais vasto e não se cinge apenas às fronteiras de um país. É uma crise sistémica, uma crise do capitalismo tal como o conhecemos e do funcionamento das sociedades contemporâneas, que tem a sua raiz em vários factores e um deles está relacionado com o caminho apontado por João Salgueiro. O economista aponta como saída a via do “investimento produtivo”. E assim seria, se o mundo hoje não estivesse dominado pelo “investimento” não produtivo, o “investimento” na chamada economia virtual, a compra e venda de instrumentos financeiros, instrumentos arriscados mas atractivos que, em caso de sucesso, garantem um lucro rápido e momentâneo. Como disse Cornelius Castoriadis, o “empreendedor schumpeteriano, que conjuga uma inventividade técnica com a capacidade para juntar capitais, para organizar uma empresa, para explorar, penetrar e criar mercados, está em vias de desaparecimento, encontrando-se substituído pelas burocracias empresariais e pelos especuladores.” (Castoriadis, 2012: 102). Ora o mercado de compra e venda de instrumentos financeiros é um dos que, neste momento, apresenta a maior expansão a nível mundial devido à utilização e generalização de programas informáticos que, permitem a cada um de nós, por exemplo, comprar e vender barris de petróleo, sem o incómodo de os ter de guardar no nosso quintal. E quem diz barris de petróleo, diz acções duma empresa qualquer, milho, ienes, dólares, etc. Para quê então, darmo-nos à maçada de montar um negócio produtivo, como faria um “empreendedor schumpeteriano”?
Além disso, a corrupção generalizou-se no “sistema político-económico contemporâneo” e tornou-se um “traço estrutural e sistémico” das sociedades em que vivemos. Não é preciso ser o bispo D. Januário Torgal para o constatar. Salta aos olhos. Os mastodônticos monumentos à corrupção estão por todo o lado, para quem os quiser ver. E algumas carreiras alucinantes de políticos ex-governantes também.
_____________________________________________
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Referência
Cornelius Castoriadis (2012); A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102.
Cornelius Castoriadis (2012); A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102.
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João Salgueiro
Da corrupção
Se pusermos
em conjunto todos estes factores e se levarmos também em consideração a
irreversível destruição do ambiente, que acarreta forçosamente a «expansão»
capitalista e ela própria condição necessária à «paz social», podemos e devemos
perguntarmo-nos por quanto tempo poderá ainda funcionar o sistema.»
Cornelius Castoriadis (2012);
A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102 – 103.
terça-feira, julho 17, 2012
Era uma vez o Estado social
"Não descansaremos enquanto não pusermos Portugal a crescer. Sabemos bem que essa é a única forma verdadeira e duradoura de defender o nosso Estado social, de poder realizar a justiça social para quem dela precisa e para poder garantir uma melhor distribuição do rendimento e da riqueza no nosso país", declarou Pedro Passos Coelho.
Há pouco
mais de um ano Pedro Passos Coelho (PPC) revelava que a sua política social estaria
completamente submetida à política económica. Das suas palavras depreendia-se que
ele acreditava que o crescimento económico precedia o Estado social - o
crescimento económico seria a “única forma verdadeira e duradoura de defender o nosso Estado
social”. O que nos leva a concluir que, de acordo com a sua concepção,
sem crescimento económico não pode existir justiça social. Ou, por outras
palavras, o Estado social e a justiça social só se cumprem nos momentos de prosperidade.
E assim chegámos à circunstância catastrófica em que hoje nos encontramos: uma
situação de recessão, com crescimento do desemprego para níveis nunca antes
observados e expansão da pobreza, acompanhados pela retracção da protecção social. Ora é exactamente quando
o infortúnio se multiplica que a protecção social é mais necessária, contudo
está a acontecer exactamente o oposto: os indivíduos estão em queda, ou o
risco de queda é maior, porém a rede está a ser retirada.
Ontem PPC tornou
a focar a questão da injustiça inerente à desigual distribuição do rendimento,
contudo, não se atreveu a falar da necessária protecção social. Como o poderia
fazer se acredita que tal só é possível com crescimento económico e este não ocorre?
Mas se PPC
enfatiza o papel do Estado na redistribuição da riqueza, ignora a questão da protecção
social, a mais cara ao Estado social e que está no seu cerne, de acordo com
Bauman (2007: 65):
Ao contrário da opinião já amplamente
aceite, é a protecção (o seguro
colectivo contra o infortúnio individual), e não a redistribuição de riqueza, que está no cerne do "Estado
social" a que o
desenvolvimento do Estado moderno inflexivelmente conduziu. Para pessoas privadas de capital
económico, cultural ou social
(todos os activos, de fato, excepto a capacidade de trabalho, que cada um não poderia empregar por
si mesmo), "a protecção pode
ser colectiva ou nenhuma”.
Passado
mais de um ano de governação, Portugal não cresce, o Estado social está a ser
desmantelado e a desigualdade na distribuição do rendimento tende a aumentar. A política social do Governo falhou em toda a linha porque a fez depender do crescimento económico e este, nem vê-lo.
Referência
Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro.
sábado, julho 14, 2012
Agora encontramo-nos no campo da crença.
Portugal suspenso pela crença na benevolência dos credores.
Oremos.
Oremos.
Na revista do mesmo jornal, Clara Ferreira Alves na sua excelente "pluma caprichosa" aborda a questão de forma mais realista, racional e correcta: "Quando se pede dinheiro emprestado e se vive de dinheiro emprestado não se espera complacência nem benevolência dos credores."
sexta-feira, julho 13, 2012
Rumo ao subdesenvolvimento
«Segundo o INE, os resultados para os indicadores
de desigualdade na distribuição dos rendimentos foram em 2010 superiores aos
registados em 2009, todavia inferiores ao observado nos restantes anos.
Em 2010, o rendimento monetário líquido equivalente
dos 20% da população com maiores recursos correspondia a 5,7 vezes o rendimento
dos 20% da população com mais baixos recursos.» Aqui.
***
O
escândalo da elevada desigualdade na distribuição de rendimento em Portugal
continua, e não é preciso ser Cassandra para saber que irá aumentar.
Relembramos
aqui as palavras do economista britânico Dudley Seers (1920-1983): “as
perguntas a formular acerca do desenvolvimento de um país, de uma região, são
simplesmente estas: o que é que vem acontecendo com a pobreza? Com o desemprego? Com as desigualdades? Se os três se
têm reduzido (a pobreza, o desemprego, as desigualdades), não pode duvidar-se
de que houve desenvolvimento no país ou região em questão.” (1)
Ainda
alguém duvida que o "ajustamento" proferido pelos políticos e
economistas que nos governam é um eufemismo de "empobrecimento" e que
o país se está a subdesenvolver?
-----------------------------------------------------------------
(1) – Citado por Simões Lopes (2006), "Encruzilhadas
de desenvolvimento: falácias, dilemas, heresias", Revista
Crítica de Ciências Sociais, n.º 75, Outubro
2006, pp. 41-61.
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Desenvolvimento,
Dudley Seers,
Economia,
O neoliberalismo no seu melhor
Uma geração perdida, caso não lute
«Mas é bom lembrar também
que grande parte da presente geração de jovens jamais experimentou grandes
privações, como uma depressão económica prolongada, desprovida de perspectivas
e com desemprego em massa. Eles nasceram e cresceram num mundo em que podiam se
abrigar sob guarda-chuvas socialmente produzidos e administrados, à prova de
ventos e tempestades, que pareciam estar ali desde sempre para protegê-los do
mau tempo, da chuva fria e dos ventos gelados. Um mundo em que cada manhã
prometia um dia mais ensolarado que o anterior e mais rico de aventuras
agradáveis.
Enquanto
escrevo estas linhas, as nuvens se acumulam sobre esse mundo. A feliz,
confiante e promissora condição que os jovens acabaram por considerar como o
estado "natural" do mundo pode estar desmoronando. Uma depressão económica
(que, como dão a entender alguns observadores, ameaça se revelar tão ou mais
profunda que as crises que a geração dos pais sofreu na juventude) talvez
esteja à espreita na primeira esquina.»
Zygmunt Bauman (2010); Capitalismo
Parasitário e Outros Temas Contemporâneos, Zahar Editores. Rio de Janeiro.
Pág. 71-72.
***
Neste momento já se abate a tempestade e o guarda-chuva já lá vai,
levado pelo vento neoliberal. Pobre juventude. Venceram os poucos que
astutamente procuraram abrigo nas juventudes partidárias e trataram de assegurar,
por portas e travessas, um lugar no mundo do tráfico de influências.
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Bauman,
O neoliberalismo no seu melhor
quarta-feira, julho 11, 2012
Não é uma utopia. Longe disso.
A quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo do capitalismo global cresce inexoravelmente e agora está perto de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta.
Zygmunt
Bauman (2007). Tempos Líquidos.
terça-feira, julho 10, 2012
Afinal, quando nasce a utopia?
Zygmunt
Bauman, como é referido na contracapa de uma das suas obras, é “talvez o mais
eloquente anatomista da modernidade e da pós-modernidade a escrever em inglês”.
A sua análise das sociedades ocidentais modernas e pós-modernas num contexto de
globalização é certeira e estamos em consonância com o que escreve no Tempos
Líquidos (2007). Nessa obra o sociólogo refere que as utopias são filhas da
modernidade e cita o escritor Anatole France para depois o
contraditar. Anatole France dizia que:
Sem as utopias de outras épocas, os homens
ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram os utopistas que traçaram
as linhas da primeira cidade... Sonhos generosos geram realidades benéficas. A
utopia é o princípio de todo progresso, e o ensaio de um futuro melhor.
É um raciocínio que concorda,
por exemplo, com o de Fernando Pessoa - “Deus quer, o Homem sonha, a obra
nasce”. Para a obra nascer é preciso que o homem sonhe. E para quem não creia
em Deus, então que conceda apenas que o Homem sonha e a obra nasce. É que o
sonho precede a obra, pois “o sonho comanda a vida” (António Gedeão, Pedra
Filosofal). E que se saiba o Homem sonha desde que é Homem. E, diga-se de
passagem, alguns animais que não o Homem também sonham, mas isso é outra
história.
Mas
regressando a Bauman, diz ele:
E, no entanto, ao
contrário da opinião proclamada por Anatole France e com base no senso comum de
seus contemporâneos, as utopias nasceram junto com a modernidade e só
na atmosfera moderna puderam respirar.
Em primeiro lugar, uma
utopia é uma imagem de outro universo, diferente daquele que conhecemos ou de
que estamos a par. Além disso, ela prevê um universo originado inteiramente da
sabedoria e devoção humanas. Mas a idéia de que os seres humanos podem
substituir o mundo que é por outro diferente, feito inteiramente à sua vontade,
era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos
modernos. (Bauman, 2007: 102-103). [Os itálicos são nossos].
A
utopia enquanto imaginação de uma sociedade ideal criada inteiramente pelo
Homem "era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do
advento dos tempos modernos"? É uma afirmação questionável. Na
Antiguidade, não formula Platão uma utopia na sua República? E a Cidade
de Deus, de Santo Agostinho, não é utópica? A própria Utopia de Thomas More foi publicada em 1516.
E
se alargarmos o conceito não a sociedades mas a lugares idealizados pelo Homem, então temos
de considerar, o Paraíso, a Terra Prometida e a Ilha dos Amores, como exemplos pré-modernos de lugares supostamente ideais que não têm lugar neste mundo.
_______________
Referência:
Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de
Janeiro.
Sobre utopias:
Lewis Mumford (2007), História das Utopias. Antígona. Lisboa
domingo, julho 08, 2012
sábado, julho 07, 2012
O acórdão do TC e a austeridade
O acórdão do Tribunal
Constitucional não podia ter vindo em melhor hora para Pedro Passos Coelho
(PPC) e o seu Governo. Acaba por servir como mais um amparo à tomada de
decisões de austeridade que por certo já estavam a ser ponderadas face ao novo
e ampliado buraco orçamental. (Já antes tínhamos dito aqui - naquela noite de 13 de Outubro de 2011 de má memória - que iríamos caminhar de buraco em buraco até ao buraco final. Parece que se confirma.)
Na verdade, neste momento a
Constituição é apenas um papel pintado com tinta. Não admira que PPC e os seus
tenham deixado de falar na necessidade de proceder a alterações à Constituição.
Afinal, nem sequer é preciso, pois há muito que deixou de ser respeitada, e principalmente pelos que tinham por missão a sua salvaguarda.
Os acordos com quem trabalha e com os
pensionistas (os direitos sociais e laborais) foram prontamente rasgados e
desrespeitados, dada a “situação de grave e extrema emergência financeira" (Acórdão
do TC n.º 353/2012), mas a renegociação e anulação dos acordos ruinosos com as
parcerias público-privadas (PPP), por exemplo, foram deixadas para as
calendas gregas.
Eles que continuem a minar a
maioria da sua própria base eleitoral – a classe média, que empobrece – que
acabarão por cair com estrondo. É uma questão de tempo. A não ser que - e é o
mais provável - antes saiam "de fininho", dada a sua manifesta
incompetência.
As forças globais que os Estados não controlam
“A desintegração da solidariedade significou o fim da maneira
sólido-moderna de administrar o medo. Era chegada a vez de as protecções
modernas, artificiais e administrativas serem afrouxadas, desmontadas ou
removidas. A Europa, primeira região do planeta a passar pela rectificação
moderna e a percorrer todo o espectro das suas sequelas, está agora
atravessando, de modo muito semelhante aos Estados Unidos, uma “desregulamentação-com-individualização
do tipo 2” – embora desta vez não o faça
por escolha própria, mas sucumbindo à pressão de forças globais que não
controla mais nem espera refrear.”
Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de
Janeiro. Pág. 73
domingo, julho 01, 2012
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