“O mercado e o contrato funcionam exactamente
ao contrário um do outro e, de facto são duas estruturas reciprocamente
heterogéneas.”
Michel
Foucault, Nascimento da Biopolítica,
Edições 70, 2010, pág. 342
Sempre que vemos
aflorar o desassossego dos neoliberais – esses que querem pôr as leis do
mercado a reger as relações sociais - com a Constituição, vem-nos à memória as
palavras supra-citadas de Foucault sobre o antagonismo entre o mercado e o
contrato. O mercado sempre foi avesso ao contrato e ao plano, e vice-versa. O
mercado, ou os mercados, são volúveis, instáveis. Uns dias animam-se para logo
de seguida, desanimarem. As cotações bolsistas oscilam, ora subindo, ora
descendo, conforme os dias e os ventos que sopram. Nos mercados o lucro é
perseguido a curto prazo, pois a longo prazo, dizem, estaremos todos mortos. E
na verdade, os que tanto perseguem o lucro querem-no o mais rapidamente possível,
pois sabem que mais tarde poderão já cá não estar.
As sociedades
são mais lentas na mudança, as instituições apresentam um elevado grau de
inércia e as suas próprias regras contratuais ou tácitas, as suas
constituições, a Constituição, as tradições, etc. são por sua vez avessas ao funcionamento
do mercado auto-regulado (que é o mesmo que dizer desregulado, porque a coisa
não se regula a si mesma e por si só, e parece que assim será até ao fim dos
tempos, quer queiramos, quer não). Assim, esses que tudo querem ver regido
pelas leis do mercado, têm pela frente a inércia das instituições – sejam elas as
religiões com os seus feriados religiosos, seja a Constituição, sejam as famílias
ou até uma instituição tão simples como a da siesta, aqui na próxima mas não próspera Andaluzia. A Igreja, por
exemplo, parece ter só agora percebido que errou ao permitir inscrever na Lei secular
a palavra “supressão” dos feriados. Suplica agora, arrependida, ao ver o erro
que cometeu - e talvez tarde demais - para que se substitua a palavra “supressão”
por “suspensão”. Mas, ainda assim, parece não ter percebido que para os
mercados o ideal seria que não existissem quaisquer feriados, santos ou não, e que
se suprimissem ainda os sábados e os domingos rituais, e as igrejas, e a
Igreja. E podíamos ainda acrescentar a sinagoga e a mesquita e as religiões
respectivas e outras, das mais antigas instituições do planeta. A fábrica, a
máquina, o mercado, não se compadecem, por exemplo, com suspensões ou paragens,
cinco vezes por dia, para que os trabalhadores islâmicos mais devotos possam
sair temporariamente para orar a Alá.
***
E isto tudo para
dizer que a Constituição é uma espécie de contrato que põe em causa o livre funcionamento
dos mercados, em rédea solta, como querem os teólogos do mercado.