A vida de sempre.
Bom 2022!
Tim Marshall, O Poder da Geografia, Desassossego/Saída
de Emergência, 2021
A “aniquilação do espaço pelo tempo”, expressão de Marx (1818-1883) ao
constatar que o tempo de viagem entre localidades diminuía progressivamente por
causa das novas tecnologias dos transportes e das telecomunicações, não significou
de forma nenhuma que o espaço deixou de importar. Na verdade, nem o espaço, nem
a geografia, foram aniquilados e pesam ainda hoje no tabuleiro geopolítico do
mundo, se bem que, cada vez mais, o espaço sideral ganhe uma relevância
crescente no jogo. Quem dominar o espaço cósmico dominará a geopolítica,
dominará a Terra. É, portanto, para aí que se projecta a mais cerrada
competição entre as potências mundiais. A ameaça pode vir agora de cima, bem
acima das nossas cabeças. Parece que uma arma disparada lá do alto encontra
mais facilmente o seu alvo cá em baixo.
Assim, Tim Marshall, que acaba no Prisioneiros da Geografia
com um capítulo dedicado às disputas pelo Árctico, neste Poder da Geografia, termina com um capítulo sobre as
disputas pelo domínio do espaço cósmico, não deixando, nesta obra, de abordar outros palcos com relevância geopolítica à superfície do planeta, como por exemplo, a Austrália, a
Etiópia, a Grécia, a Turquia, o Sahel, entre outros. Esta obra continua, de certa forma, os Prisioneiros da Geografia.
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Da obra lida:
«A nível regional, as potências europeias, mormente Espanha, Itália e França, sabem todas que as suas políticas internas serão afetadas pelo que acontecer no Sael. Nos anos pós 2015, quando chegou um milhão de refugiados e migrantes, assistiu-se a um aumento na polarização política e no ganho de terreno dos partidos extremistas.»
Tim Marshall, O Poder da Geografia, 2021, p. 212.
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À superfície da Terra, o presente e o futuro apontam já para a construção de muros, obstáculos às migrações humanas. A Era dos Muros e do arame farpado começou. A Era dos Muros, de Tim Marshall, aguarda leitura.
⭐⭐⭐⭐
Este ano a Assembleia da República legislou sobre o alargamento do período do luto parental, tendo aprovado a passagem desse período, de cinco para vinte dias. Como é sabido, vinte dias não apagam de forma alguma a dor da perda de um filho. Toda uma vida não basta. Se alguma dúvida houver, leiam o Apeirogon, de Colum McCann. A dor da perda atravessa o livro e as muitas histórias que nele se contam.
O pano de fundo, histórico e geográfico, é Israel e a
Palestina. E, como se refere repetidamente em várias passagens desde o início,
aqui, a geografia é tudo.
O conflito israelo-palestiniano nunca me entusiasmou (entusiasmará
alguém?). É cansativo estar sempre a ouvir notícias do eterno conflito que grassa naquela região. Foi por isso que hesitei na compra deste livro. Folheei-o várias vezes antes de o adquirir, sempre que fui à livraria. Estou convencido que entre Israel e a Palestina nunca
haverá paz enquanto o homem da rua não a procurar no fundo do seu coração. Os seus
líderes até podem assinar acordos visando a paz, sob o patrocínio das grandes
potências – fazem belas fotografias os apertos de mão – mas enquanto as correntes
do ódio não forem quebradas no âmago do homem da rua, que sofre pela perda dos
seus entes queridos, e enquanto esse homem canalizar o seu
sofrimento para alimentar o ódio que sente, jamais haverá paz. A violência gera violência,
dizem. Mas não tem de ser sempre assim. Ali, a paz não pode ser imposta de cima para baixo. Ela tem de partir de
baixo, da vontade do povo chão. Ela tem de partir de uma espécie de educação de cada homem.
Quando era jovem dizia que um dia haveria de ter barbas
brancas e ainda ouviria falar do conflito entre judeus e palestinianos. Pois
bem, a barba já me nasce branca e o conflito prossegue.
Na contracapa do livro, alguém do Guardian escreve
que se trata de uma obra-prima, um romance, que mudará o mundo. Há muita
ingenuidade nisto.
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Da obra elejo a seguinte passagem, como poderia eleger outra. É uma passagem que ajuda
a compreender a designação de Povo do Livro, atribuída aos judeus, e ao horror
que sentem quando iconoclastas destroem livros:
«457. Na tradição judaica, é proibido deitar fora escritos
que invoquem o nome de Deus. Livros de orações. Pergaminhos. Enciclopédias. Trajes.
Atilhos de filactérios. Até mesmo panfletos ou livros de banda desenhada. Em
vez de serem destruídos, os textos são enterrados numa genizah, uma
sepultura para a palavra escrita.»
«456. Os manuscritos do Mar Morto foram originalmente
escondidos em vasos de barro e colocados em grutas para os proteger. Se não
voltassem a se encontrados, a escrita decompor-se-ia naturalmente. Nos vasos
selados – sem luz nem chuva -, os manuscritos podiam ir apodrecendo lentamente.»
«455. A genizah nos dias de hoje encontra-se
muitas vezes no sótão ou na cave de uma sinagoga, ou até mesmo num contentor
com autorização para estar na rua, à porta.»
Colum McCann, Apeirogon, Viagens Infinitas, Porto Editora, 2021, p. 284.
Richard Rogers (1933-2021) |
Um destes dias morreu o famoso arquitecto Richard Rogers e,
lamentavelmente, não tive tempo de postar uma homenagem, na hora, a esse grande
homem do qual conhecia tão pouco: o Domo do Milénio, em Londres e, mais antigo, o
Centro Georges Pompidou, em Paris, eram obras suas. Fiquei a saber há pouco.
Mas era outra a sua obra que me era familiar: o livro Cidades para um
Pequeno Planeta, da editora Gustavo Gili (GG), de 2001.
A criação da moderna cidade
compacta exige a rejeição do modelo de desenvolvimento monofuncional e a
predominância do automóvel. A questão é como pensar e planear cidades, onde as
comunidades prosperem e a mobilidade aumente, como buscar a mobilidade do cidadão,
sem permitir a destruição da vida comunitária pelo automóvel, além de como
intensificar o uso de sistemas eficientes de transporte e reequilibrar o uso
das nossas ruas em favor do pedestre e da comunidade.
Richard Rogers, op.
cit., pág. 38
Nitidamente, as preocupações de Richard Rogers eram a
prosperidade da comunidade, a mobilidade do cidadão, a vida comunitária, o uso
da rua em favor do pedestre e da comunidade. A comunidade, agora refugiada de
si mesma no automóvel, nos edifícios de escritórios, nos centros comerciais e
nos condomínios fechados. A comunidade fragmentada empobreceu a vida na cidade com
largos segmentos que a compõem a abandonarem a vida de rua, a vida na rua. A
vida saiu da rua. Passam por ali automóveis e, ocasionalmente, um pedestre.
Mas havia outras preocupações:
Acredito piamente na
importância da cidadania e na vitalidade e humanidade que ela estimula. A
cidadania manifesta-se em gestos cívicos planeados e de grande escala, mas
também em gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica
diversidade da vida urbana.
Richard Rogers, op.
cit., pág. 15
A necessidade de promover a cidadania que se sente escapar
das nossas cidades com a perda de solidariedade e o avanço da indiferença.
Vivemos em sociedades de indiferença (já o disse o Papa) e os indiferentes
somos nós para com os quais os outros, os nossos concidadãos, se isso se lhes
pode chamar, também se manifestam indiferentes. E parecemos todos indiferentes
à nossa indiferença. Nem nos damos conta. Não somos apenas diferentes, somos
indiferentes, e nisso somos iguais. A indiferença é inimiga da diversidade. E
não há como escapar a isto. Como não poderíamos ser indiferentes aos que chegam
a clamar por refúgio e abrigo, e que procurarão chegar cada vez mais, se somos
indiferentes connosco?
Bem-vindos à cidade da indiferença, o que equivale dizer, à
sociedade da indiferença. Era, portanto, necessário, para Richard Rogers, reanimar
a cidadania nas ruas, nas cidades e nas sociedades, a cidadania em cuja
importância Richard Rogers acreditava piamente.
O padrão-anti social do
crescimento segmentado, causado por um desenvolvimento orientado apenas para o
lucro, mostrou-se inadequado às necessidades da cidade.
Richard Rogers, op.
cit., pág. 116.
Parece que não aprendemos nada.
Até sempre Richard Rogers.
Não deixou obra escrita. Escreveu apenas uns rabiscos na areia, ensimesmado numa breve reflexão e, de seguida, apagou-os. "Quem nunca pecou que atire a primeira pedra", proferiu.
O que terá escrito?
Os nossos melhores não são apenas os craques da bola ou os treinadores de futebol prestigiados lá fora. Entre nós há gente de grande qualidade com outros misteres.
José Eduardo Pinto da Costa, era sem sombra de dúvida um dos nossos melhores.
Que descanse em paz.
A retirada americana (ocidental, para ser mais preciso) é um desastre consumado: um falhanço. A morte de soldados americanos hoje, no festim bombista, devem estar a pesar na consciência de Biden.
Jorge Luís Borges, Outras Inquirições, Quetzal, 2020.
⭐⭐⭐⭐
O passado é indestrutível; mais tarde ou mais cedo tornam
todas as coisas, e uma das coisas que tornam é o projeto de abolir o passado.
Jorge Luís Borges, Op.
cit, pág. 91
Compreendeu por fim o
que toda a gente à sua volta sabia: quando já não somos desejáveis, deixamos de
ter o direito ao desejo.
Michel
Houellebecq, Op. cit., pág. 119.
Sei
agora que o tempo não nos vencerá.
Michel
Houellebecq, Op. cit., pág. 147.
Não me esquecerão
necessariamente depressa, mas serei esquecido ainda assim.
Michel
Houellebecq, Op. cit., pág. 160.
****
Só não é esquecido quem
não viveu.
Acabo sempre por ir dar
ao poema de Alfonso Canales.
O poema que encerra a Verdade. Um poema onde me refugio sempre que a ideia do
esquecimento me assombra.
É escusado alimentar
lamentos sobre o esquecimento a que um dia seremos votados. Ser lembrado não é
importante. O importante é viver (preferencialmente sem sofrimento e sem fazer
sofrer os outros). Lamentou-se também
uma vez José Saramago, ou talvez não tenha sido um lamento, mas uma mera
constatação, de que os seus livros um dia seriam esquecidos numa prateleira
qualquer, assim como o seu nome. Bastariam umas décadas ou um século.
Na verdade, no fim, ou
mesmo antes do fim, só o pó subsistirá. Pó das estrelas.
Mesmo assim, TEREMOS
VIVIDO.
Não, o tempo não nos vencerá.
É estranho. Não há contagem de mortos e feridos até agora, sabendo nós que a imprensa sensacionalista aproveitaria logo o facto se os houvesse. Uma reconquista sem mortos.
Outra estranheza: uma jornalista americana da CNN calcorreia as ruas de Cabul, incólume, e entrevista alguns talibans. Enquanto isso, a multidão apavorada procura escapar para o aeroporto.
Clarissa Ward, jornalista da CNN em Cabul |
Nas ruas os talibans assemelham-se a lobos no meio de cordeiros, ou melhor, a cães pastores entre os rebanhos. Tentam controlar a multidão. Alguns disparam para o ar, do cimo das pick-ups.
Outros açoitam os transeuntes mais recalcitrantes.
As bandeiras dos talibans são brancas como a bandeira da paz, mas com inscrições. Fazem lembrar as bandeiras do Daesh, só que essas eram negras. Questiono-me se as bandeiras dos talibans foram sempre brancas ou se são apenas brancas para esta ocasião. Veremos se as bandeiras brancas não se irão transformar em bandeiras negras até 31 de Agosto, data previamente anunciada para a conclusão da retirada americana. Ou após essa data.
Até agora, a "reconquista" parece um 25 de Abril ao contrário, sem cravos, nem papoilas, na ponta das armas. Um 25 de Abril invertido, sem festa ou adesão popular. Um 25 de Abril que em vez de liberdade carrega servidão e opressão.
É o querido mês de Agosto da sociedade tribal afegã. Um
povo de pastores belicosos, do qual a guerra parece fazer parte dos costumes: chega o Verão, vem a guerra. Parece que para aquela gente a vida não seria a mesma sem ela.
Alguns dizem que esta "reconquista" é uma derrota para o império americano. Outros
repetem à exaustão o cliché segundo o qual o Afeganistão é o cemitério dos impérios. Será
mesmo assim? Creio que exageram.
Afinal não houve reconquista nenhuma: os talibans acabaram por ocupar um território que os americanos decidiram abandonar. Não podiam nem queriam ficar lá para sempre. Mas se quisessem ficariam.
Para aplacar a ira do deus, Agamémnon, rei de Argos e de Micenas, contrariado e após acesa discussão, aceita devolver Criseida, que tinha por refém e escrava para todo o serviço.
Ulisses, o mais
astucioso e sensato dos aqueus, foi incumbido de a entregar ao pai:
Quando entraram no porto de águas fundas,
dobraram a vela e guardaram-na na nau escura;
rapidamente desceram o mastro com os cabos dianteiros
e com os remos remaram até ao ancoradouro.
Lançaram as âncoras e ataram as amarras.
Eles próprios saíram e caminharam pela orla do mar,
levando a hecatombe para Apolo que acerta ao longe.
Da nau preparada para o alto mar trouxera a filha de
Crises.
Levou-a até ao altar Ulisses de mil ardis;
pô-la nos braços do pai, e assim lhe dirigiu a palavra:
“Manda-me, ó Crises, Agamémnon soberano dos homens
restituir-te a tua filha e oferecer a Febo uma sagrada
hecatombe
em nome dos Dânaos, para que propiciemos o soberano,
que contra os Argivos muitos sofrimentos lançou.”
Homero,
Ilíada, Canto I
Ante o maior desafio com que a Humanidade se defronta, ainda
há quem hesite, ainda há quem duvide, ainda há quem o negue.
Ainda há quem apelide os ambientalistas de uns meninos
urbanos com sonhos idílicos e bucólicos (uma Helena Matos que escreve no Blasfémias
e no Observador, por exemplo). Que a imagem que fazem da natureza nunca existiu,
só na cabeça deles. Que a natureza e o campo não é nada do que imaginam. Que é
antes uma via para o lucro, com as suas monoculturas de eucaliptos e palmeirais,
a sua agricultura e pecuária. Isso sim é que é o campo.
Pois bem, Sir David Attenborough que tinha 94 anos quando
escreveu este livro, passou grande parte da sua vida a observar, a estudar e a
transmitir aos outros a beleza do mundo natural (em oposição ao artificial),
dos animais e das plantas e da forma como se relacionam entre si e com o
ambiente. A mensagem que nos transmite neste livro é bem clara e cristalina: ou
esta geração muda a forma de se relacionar com o mundo natural ou é o fim da
Humanidade. Não é o fim do mundo, é o fim da Humanidade.
A Natureza, essa, encontra sempre o seu caminho.
O livro é pedagógico e é excelente.
Frank Herbert, O Messias de Duna, Relógio D'Água, 2021
«««
O autor dá excessivo crédito a drogas alucinogénias.
É demais!
Salvam-se os momentos de acção. As crenças e opiniões do autor plasmadas na história são maçadoras.
É a paz que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências do desejo.
Eça de Queiroz, Contos
Não serei daqueles que, vendo aproximar-se o seu fim, dizem que é o fim do mundo que se aproxima, que tudo decai, interiorizando que depois deles será o caos.
Vêem então decadência em todo o lado, apocalipses em aproximação, quando são eles que decaem.
Não, o meu fim não será o fim do mundo.
Olhar jocoso e sobranceiro, o dos ingleses anglicanos e protestantes. Excessivamente ousados no diagnóstico do atraso deste país, quando o deles avançava a todo o vapor, nos séculos XVIII e XIX. Entre eles há, contudo, excepções.
Gostei mais do olhar metódico e quase científico, certeiro até, dos alemães e do dinamarquês. É mais fácil gostar de quem gosta de nós ou até nos considera bem.
A escrita fluída permite uma leitura fluída.
Não existe um grande equilíbrio na dimensão dos vários
relatos, isto é, alguns são breves outros longos, embora sejam todos bem
enquadrados por notas biográficas que ajudam a contextualizar os olhares.
Ainda assim, de MFM, gostei mais do seu Bilhete de Identidade.
Ouvimos na TV que estamos numa luta contra o tempo, entre a vacinação e a transmissão. Pasmo.
Então não estávamos numa luta contra o tempo aquando dos
festejos da vitória do Sporting no campeonato de futebol? Não estávamos numa
luta contra o tempo aquando da final da Liga dos Campeões, no Porto? Não
estávamos numa luta contra o tempo, nos festejos do São João?
Agora estamos numa luta contra o tempo!
Há para aí uns comentadores neoliberais que falam grosso quando
os números da pandemia estão em baixo e piam fino (nem os ouvimos), quando os
números estão altos ou crescem. Nota-se que o tom e a intensidade não são os
mesmos, ou será impressão minha?
Frank Herbert, Duna, Relógio D'Água, 2020
«
- Os homens e as suas obras têm sido até agora uma doença à superfície dos seus mundos - disse o pai. - A natureza tende a compensar as doenças, removendo-as ou isolando-as, incorporando-as no sistema à sua maneira.
Frank Herbert, Duna, Relógio D'Água, 2020, pág. 361
Hervé Le Tellier, A Anomalia, Editorial Presença, 2021
«
A religião é um peixe carnívoro das profundezas. Emite
uma ínfima luz e, para atrair a sua presa, precisa de muita escuridão.
Hervé Le Tellier, A
Anomalia, pág. 251
Mas todos o sabem: o universo, virtual ou não, é todo ele regido por leis, cada vez mais conhecidas a fundo.
Hervé Le Tellier, A
Anomalia, pág. 255
Se a escuridão é ignorância,
ainda vivemos nela, com a ilusão de que conhecemos cada vez mais a fundo as
leis que regem o universo.
E contra Heidegger, que dizia que só um deus poderia salvar-nos:
Não haverá um salvador supremo. Temos de ser nós próprios a salvar-nos.
Hervé Le Tellier, A
Anomalia, pág. 260
Estamos perdidos.
«Obedientes e sem mais delongas, num mergulho de alcatrazes, atirámo-nos então daquela rocha branca ao abismo azul. E descobrimo-nos. Encontrámo-nos universais em toda a parte do globo, mas, sobretudo, dentro da nossa própria perplexidade. (…)
E a História celebra com justiça os melhores dessa superação
mental. Chamam-se Pedro Nunes, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro,
Garcia da Orta, João de Barros, Diogo de Couto, Pêro Vaz de Caminha, Fernão
Mendes Pinto, Luís de Camões. Sem falar doutros menos dotados que, modestamente,
se desmediram. (…)
Enquanto os vizinhos da Europa, sem descanso, continuaram a
ser pioneiros nas empresas que a vida lhes confiava, nós, enxutos da grande
maratona oceânica, ficámos em cima da penedia a ver passar ao longe, a fumegar,
as embarcações alheias, e a cantar, ao som de uma guitarra, loas à fatalidade.»
Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, Desassossego/Saída de Emergência, 2017
«
A Geografia continua a contar, por muito virtual que seja o espaço onde muitos passem já os dias, alheios à materialidade da vida.
Duas citações:
Pensa-se que cerca de 25 por cento dos brasileiros vivam nos infames bairros de lata chamados favelas. Quando uma pessoa em cada quatro na população de um estado vive na mais abjecta pobreza, é difícil que esse estado enriqueça.
Tim Marshall, Prisioneiros
da Geografia, 2017, pág. 215
A palavra «árctico» vem do grego artikos, que significa «perto do urso», e é uma referência à constelação da Ursa Maior, cujas últimas duas estrelas apontam para a Estrela Polar.
Tim Marshall, Prisioneiros
da Geografia, 2017, pág. 224
Cinco estrelas para esta magnífico livro de Geografia e, dentro dela, Geopolítica.
O Reino Unido retirou Portugal da lista “verde” de destinos para viajar. Que espanto! Que admiração?! Que injustiça?! Que irrazoabilidade?! Já se queixa, mais uma vez, o Silva dos Negócios Estrangeiros.
Onde é que já vimos este filme?
Tirar lições para quê?
Não aprendem nem aprenderam nada.
Vamos então dar os parabéns ao Medina, ao Costa, ao Cabrita, ao Moreira, ao Sousa e ao Silva da Federação, pela magnífica gestão do desconfinamento e pela ajuda que estão a dar ao sector do turismo deste país, pelos eventos que promoveram e apadrinharam.
Não conseguiam fazer um desconfinamento sóbrio, sem espavento? Não. Era preciso um desconfinamento bêbado.
Um jogo, que deveria ser realizado em Inglaterra, será cá realizado, que os ingleses não querem bombas biológicas em terras de sua majestade, mesmo que as equipas oponentes sejam de Manchester e de Londres.
Cá na república, é o meu reino por uma libra.
António Costa ainda teve a lata de dizer que não há provas da correlação entre estes eventos (referia-se aos festejos sportinguistas) e o aumento das contaminações, contra todas as evidências espaciais e temporais.
E o Presidente, com a sua voz melíflua, chegou a sugerir um possível relaxamento dos limites traçados na matriz de risco, antes da reunião no Infarmed.
É bom saber que, chegada a reunião do Infarmed, os especialistas não foram em cantigas: "Grupo de peritos recomenda manter actual matriz de risco" (Público, 28 de Maio)
Entretanto aumenta o índice de transmissão no Reino Unido (Expresso, 28 de Maio).
Em países próximos do nosso, as vítimas mortais continuam a ser mais do que uma centena como é o caso da Alemanha (195, ontem), Itália (126), França (107) [dados da Worldometer] Tudo países muito menos desenvolvidos do que o nosso, como é bom de ver. Nós somos especiais.
Não. Não seremos todos responsáveis se as contaminações aumentarem na sequência destes eventos autorizados por políticos, edis incluídos. Os responsáveis têm nome e cargo político.
Meu país, meu penico.
Penico à beira-mar plantado.
E viva a Inglaterra!
Lido o livro em tempo record, Maria Filomena Mónica não se cansa de nos lembrar o quanto somos pequenos e tacanhos, mas com sonhos de grandeza. Para ela, grandes são os ingleses e a Universidade de Oxford onde estudou.
Dá muito crédito ao historiador Rui Ramos: “Ao contrário do que muitos defendem, Salazar nunca foi fascista” (pág. 157). No entanto, “O Estado Novo ajudou – de forma modesta, é certo – as tropas de Franco” (pág. 162), um fascista “ideologicamente próximo” de Salazar, acaba por referir.
O Meu País, Notas Sobre o Nacionalismo é a visão de uma burguesa liberal da “classe alta”, de um país onde, nas suas palavras, o amor à liberdade não medrou: “O que me dói é o facto de o amor à liberdade não ter encontrado, em Portugal, um solo onde pudesse medrar” (pág. 204), ao contrário da grande Inglaterra, por certo. E ainda assim, é no “pequeno” Portugal onde encontra, agora que lhe “foge a curta vida”, a oportunidade de “pensar, falar e escrever livremente” (pág. 209).
Como sopra o
vento alheio
À solidão das
areias,
dos mares e das teias.
(A vila ao longe é Monte Gordo)
Caminho só à beira do mar,
Incansável e perplexo
Pela pandemia dos dias.
Que importa a fúria do mar
Se estou com o vento
E a solidão pela mão.
A vez da Índia.
233 943 casos num só dia!
(consultado a 16/04/2021)
«Mas nem será necessário o pior
cenário do aquecimento global para provocar devastações suficientemente graves
que sacudam a sensação habitual de que, à medida que o tempo avança a vida melhora
de uma forma inelutável. Essas devastações, muito provavelmente, vão chegar
depressa: novas linhas costeiras recuadas, com cidades afundadas à sua frente;
sociedades desestabilizadas a atirarem com milhões de refugiados para
sociedades vizinhas que já sentem o estrangulamento dos recursos a
esgotarem-se; as últimas várias centenas de anos, que muitos no Ocidente viram
como uma linha simples de progresso e prosperidade crescente, transformadas no
prelúdio de um sofrimento climático massivo.»
David Wallace-Wells, A Terra Inabitável,
Lua de Papel, 2019. p. 255