Um Bom Ano 2018!
quinta-feira, dezembro 28, 2017
sábado, dezembro 23, 2017
Os Despojos do Dia
Há quem viva só para as
mordomias, para agradar ao patrão. Há quem viva só para o trabalho, perseguindo
elevados padrões de profissionalismo, e apenas isso. Na realidade quem assim
vive não vive nem atenta na vida que lhe passa ao lado.
***
Lido em tempos numa folha afixada
nas paredes de uma reprografia: “Lembra-se daquela formiguinha que trabalha,
trabalhava, trabalhava, só para agradar ao patrão? Teve um ataque cardíaco e
morreu.”
***
Stevens, o personagem principal, não teve um ataque cardíaco
nem morreu. Não chegou a uma idade suficientemente tardia para morrer a
trabalhar, como o pai. Pura e simplesmente Stevens não amou.
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Livros
Aos nutricionistas...
...deviam dar-lhes o tratamento que dão ao bardo do Astérix em dias de festa. Nesses dias o bardo é atado a uma árvore e amordaçado para que não incomode com o seu canto.
sexta-feira, dezembro 22, 2017
A memória
A memória chega-nos de fora. Ela vem do Outro. (...)...na realidade são os outros que dão testemunho de nós ao mundo. A memória que nos livra de não ser vem de outra parte. Ela não vive aqui, mas noutro lugar.
Leonidas Donskis
in Zygmunt Bauman, Leonidas Donskis, Cegueira Moral, Relógio D'Água, 2016, pág. 158.
***
A existência pode estar para além da memória. Podemos ser sem que ninguém nos lembre, sem que ninguém se lembre. Ser, é ser lembrado? Não. Existimos (ponto final). Vivemos. E quando já nada houver para nos lembrar ou ser lembrado, ainda assim, teremos vivido.
Não acreditais? Lede então o Discurso de César às Legiões.
...quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.
...quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.
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Citações,
Pensamentos
sábado, novembro 25, 2017
Um poema de Alberto Pereira
Beijos calibre 6,35.
Foi assim que encostaste
o aço ao meu nome.
Guardo ainda num revólver
algumas árvores e pássaros,
o arrependimento de Raskólnikov
e as sinfonias de Stravinsky.
É já tempo de matar a eternidade.
Tenho a mais bela pólvora do mundo.
(Poema de Alberto Pereira, Viagem à Demência dos Pássaros, Glaciar, 2017)
***
Abri o livro e deparei com este poema. Fechei o livro e o poema perseguia-me na contracapa.
Bela pólvora a de Alberto Pereira: árvores, pássaros, o arrependimento de Raskólnikov e as sinfonias de Stravinsky. A mais bela pólvora do mundo.
sexta-feira, novembro 24, 2017
Pedro Rolo Duarte (1964-2017)
De Pedro Rolo Duarte pouco
conhecia, para além da sua imagem, da sua voz e simpatia, as escolhas musicais num
programa da Antena 1 chamado Hotel Babilónia,
ao lado de João Gobern, e ainda o seu blogue. Nem sempre concordava com as
suas opiniões, nem com os seus gostos musicais, mas partilhava da sua
embirração com os que conduzem com um braço de fora ou com o cotovelo apoiado
na janela do automóvel. Era uma voz familiar. A sua morte foi inesperada. Era
um homem novo. Lamento a sua perda.
terça-feira, novembro 14, 2017
sábado, novembro 11, 2017
Conheci rios
O Negro Fala de Rios
Conheci rios
Conheci rios tão antigos como o mundo, mais velhos do
que o sangue humano correndo nas veias humanas.
A minha alma foi-se tornando funda como os rios.
Banhei-me no Eufrates quando eram jovens as madrugadas.
Construí a minha cabana nas margens do Congo e ele embalou-me o sono.
Olhei o Nilo e acima dele ergui as pirâmides.
Ouvi o canto do Mississipi quando Abraham
Lincoln desceu até Nova Orleães, e vi
o seu fundo lamacento ficar todo dourado ao pôr-do-sol.
Conheci rios:
rios escuros, rios antigos.
A minha alma foi-se tornando funda como os rios.
(Langston Hughes, tradução de Ana Luísa Amaral, Antena 2)
***
"The Negro Speaks of Rivers”
I’ve known rivers:
I’ve known rivers ancient as the world and older
than the flow of human blood in human veins.
My soul has grown deep like the rivers.
I bathed in the Euphrates when dawns were young.
I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe
Lincoln went down to New Orleans, and I’ve seen
its muddy bosom turn all golden in the sunset.
I’ve known rivers:
Ancient, dusky rivers
My soul has grown deep like the rivers.
(Langston Hughes)
***
Sobre Langston Hughes, na Antena 2, aqui.
***
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Langston Hughes,
Poemas da minha vida,
Poesia
domingo, outubro 15, 2017
Em leitura: A Grande Aceleração
«Biodiversity
conservation has become a global norm in a very short period of time, in
reaction to mounting evidence of biodiversity decline. Despite real conservation successes, human activities since 1945
greatly intensified the number and severity of threats facing the world’s living
organisms. Human beings increasingly order the world. We have selected a
handful of preferred plant and animal species, living in managed and simplified
landscapes, and have unconsciously selected another handful of species that
adapt well to these landscapes (rats, deer, squirrels, pigeons, and such). In so
doing we have greatly reduced or eliminated the number of other plants, birds,
mammals, insects, and amphibians that lived in and on these landscapes just a
short time ago. In this regard the ethical question is much the same as ever: Are we content with a world containing billions
of humans, cows, chickens, and pigs but only a few thousand tigers,
rhinoceroses, polar bears - or none at all?
The twenty-first century portends still greater
pressure on biodiversity than did the twentieth. Rising affluence, at least for some, plus three to five billion additional
people, will menace the world’s forests, wetlands, oceans, seas, rivers, and
grasslands. But climate change likely
will set the twenty-first century apart.» (pág. 100)
Engelke, Peter; McNeill, J. R, The Great Acceleration, An Environmental History
of the Anthropocene since 1945, The Belknap Press of Harvard University
Press, 2014
(os destaques são nossos)
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sexta-feira, outubro 13, 2017
Grandes aberturas: Afirma Pereira
Afirma Pereira tê-lo conhecido num dia de Verão. Um magnífico dia de Verão, cheio de sol e de vento, e Lisboa resplandecia. Ao que parece, Pereira estava na redacção, não sabia que fazer, o director estava de férias, e ele via-se com o problema de preparar a página cultural, pois o Lisboa passara a ter uma página cultural, e tinham-lha confiado. E ele, Pereira, reflectia sobre a morte. Naquele belo dia de Verão, com a brisa atlântica acariciando as copas das árvores e o Sol a brilhar, com uma cidade que cintilava sob a sua janela, e um azul, um azul incrível, afirma Pereira, de uma limpidez que quase feria os olhos, ele pôs-se a pensar na morte. Porquê? Isso, Pereira não sabe dizer.
Antonio Tabucchi, Afirma Pereira, Publicações Dom Quixote, 2000
***
Um livro que devia ser lido pelos
ruis ramos deste mundo, em particular os historiadores, em suma, por aqueles que
ousam omitir a palavra “fascismo” dos fascículos da nossa História. Realmente, admitamos,
a coisa conspurca. Talvez por isso a queiram esconder, mas, o grande problema é
que para além de conspurcar, cheira mal. Ele há nódoas que não se deixam
apagar.
Aquela gente deixou descendência
que caminha connosco. Daí não vem mal ao mundo. O passado ficou lá atrás e temos
de saber viver uns com os outros e respeitarmo-nos. Fazemos parte do mesmo país
e do mesmo povo e há um futuro a construir. Compreende-se que alguns desses descendentes
gostassem de apagar uma parte da história ou de a reescrever de outra forma…É compreensível. Mas não é aceitável.
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quinta-feira, outubro 12, 2017
Um furacão chamado Ofélia
(Atenção: Hazardous conditions can occur outside of the cone.) Daqui.
***
Um furacão chamado
Ofélia
Naquela direcção
Segue um furacão,
Ofélia de seu nome.
Já sopra um suave Afro,
Nas ocidentais praias,
Mas Ofélia segue longe.
Ao largo das nossas costas passeará
Sem se abeirar das brancas areias.
Não irá romper a interdição
de Neptuno:
Nem chuvas, nem tormentos,
Nas costas da Lusitânia.
domingo, outubro 08, 2017
Que venham as tempestades
Alheada do nosso quotidiano, das nossas querelas, das nossas
mobilizações, longe, corre a frente polar. Longe caem as chuvas que fertilizam os campos e lavam as cidades outonais. Longe vai o tempo em que o Outono era
Outono. O pó do Verão paira e entope ainda as nossas narinas. A continuar assim
o Verão de São Martinho vai ser uma pilhéria, uma ironia, um Verão pontual
perdido entre dias de Verão. Maldito céu azul.
Que venham as tempestades.
Que venham as tempestades.
Ainda a questão do separatismo em Espanha
A questão do separatismo em Espanha é quase tão velha como a própria Espanha. Os seus períodos mais virulentos ocorrem quando falta cimento agregador ao projecto espanhol. O fornecimento desse cimento é da responsabilidade do Poder central. Quando enfraquece nesse seu papel mobilizador, estala o verniz dos separatismos, exactamente naquelas periferias onde a força centrífuga é maior.
É o velho jogo de equilíbrio entre forças centrípetas e forças centrífugas que deve promover o Poder central. Quando falha nesse papel, porque também ele por vezes se distancia, então enfraquece a coesão de todo o conjunto de comunidades e províncias.
E assim, pontualmente, os separatismos vão emergindo, umas vezes mais, outras menos, na história da Espanha ou das espanhas (como insinuou uma vez Michel Drain, na sua pequena Geografia da Península Ibérica: a Espanha são as espanhas).
sábado, outubro 07, 2017
Lo que ha pasado en España
Las grandes naciones no se han hecho desde dentro, sino desde fuera:
sólo una acertada política internacional, política de magnas empresas, hace posible
una fecunda política interior, qui es siempre, a la postre, política de poco
calado.
Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 40
En 1900 se empieza a oír el rumor de regionalismos, nacionalismos,
separatismos…Es el triste espectáculo de um larguíssimo multissecular otoño,
laborado periódicamente por ráfagas adversas que arrancan del inválido ramage
enjambres de hojas caducas.
El processo incorporativo consistia en una faena de totalización: grupos sociales que eran todos aparte
quedaban integrados como parte de un todo. La desintegración es el suceso inverso:
las partes del todo comienzan a vivir como todos aparte. A este fenómeno de la
vida histórica llamo particularismo y
si alguien me perguntase cual es el carácter más profundo y más grave de la
actualidad española, yo contestaría con esa palabra.
Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 47
La esencia del particularismo es
que cada grupo deja de sentirse a sí mesmo como parte, y en consequencia deja
de compartir los sentimentos de los demás. No le importa las esperanzas o necesidades
de los otros y no se solidarizará con ellos para auxiliarlos en su afán.
Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 48
El propósito de este ensayo es corrigir
la desviación en la puntería del pensamiento político al uso, que busca el mal
radical del catalanismo y bizcaitarrismo en Cataluña y em Vizcaya, cuando no es
allí donde se encuentra. ¿Dónde, pues?
Para mim esto no ofrece duda: cuando
una sociedad se consume víctima del particularismo, puede siempre afirmarse que
el primero en mostrarse particularista fue precisamente el Poder central. Y
esto es lo que ha pasado en España.
Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 49
***
O ressurgir dos particularismos regionais prende-se com o primeiro de todos os particularismos, o do Poder central.
A este poder falta perícia para desencantar a magna empresa, ou se quisermos, o
grande desígnio mobilizador, necessário para que se mantenham unidos os povos das
espanhas. Mas hoje o quadro é diferente do de 1900. A Espanha, ou o conjunto
das espanhas, se quisermos, integra-se num projecto maior que se quer agregador
à escala internacional – o do aprofundamento da integração europeia no quadro da U.E.. O falhanço
do Poder central espanhol em demandar uma empresa agregadora prende-se também
com o falhanço da União Europeia em afirmar-se como projecto agregador de
povos, regiões e países. A União Europeia, através dos seus órgãos, aliás,
sublinha mais ainda a sua fraqueza ao não assumir rapidamente uma posição
cristalina em relação à questão catalã ou a qualquer questão separatista que envolva
a desintegração de um dos seus Estados-membros. Se a Catalunha repudia a
Espanha, então repudia a União Europeia – esta deveria ser a posição da União
Europeia. Se a Catalunha sai de Espanha, então sai da União Europeia, e, se quiser
pertencer à União Europeia, então só deveria integrar-se nela com a anuência
unânime dos seus Estados-membros, incluindo a Espanha - esta deveria
ser a posição da União Europeia, que assim se afirmaria enquanto projecto
agregador de povos e não, enquanto projecto desagregador dos seus Estados-membros.
------------------------------------------
Referência:
José Ortega Y Gasset, España invertebrada; La deshumanización del arte (Colección Grandes Pensadores Españoles), Editorial Planeta Agostini, 2010.
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domingo, setembro 10, 2017
sábado, setembro 02, 2017
Quando o Inverno chegar
Público, aqui, 1 de Setembro de 2017
***
Continuamos a sacrificar o futuro pelo presente. Quem vier a seguir que pague a conta. E assim o capital vai fazendo a sua incursão nesse território que é o futuro (o capital precisa sempre de novos campos para alimentar a sua sede ilimitada de acumulação e por isso se expande no espaço e no tempo). Assim, no futuro não teremos nem território, nem soberania. Seremos escravos de credores. Outros governos terão pretextos para políticas austeras, medidas draconianas e aumentos colossais de impostos. Seremos novamente um protectorado sujeito aos ditames de funcionários de um império sem rosto. Outras troikas virão. Governar como hoje se governa, contraindo dívida, é fácil, pois o custo das decisões é sempre enviado para o futuro. É uma governação de cigarras. Depois não se queixem, quando o Inverno chegar.
quinta-feira, agosto 24, 2017
terça-feira, agosto 22, 2017
sábado, agosto 19, 2017
Do racismo, da intolerância e do medo perante o desconhecido
A intolerância, sugere [Umberto]
Eco, «chega antes de qualquer doutrina. Assim, a intolerância possui uma raiz
biológica, manifesta-se no reino animal sob a forma de territorialidade,
baseia-se em reacções emocionais que são, frequentemente, superficiais – não conseguimos
suportar aqueles que são diferentes de nós, por a sua pele ser de outra cor;
por falarem numa língua que não compreendemos; por comerem sapos, cães,
macacos, porcos ou alho; por fazerem tatuagens…»
Umberto Eco citado por
Zygmunt Bauman, “Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017,
pág. 38
"No
one is born hating another person because of the color of his skin or his
background or his religion..."
Nelson Mandela citado
por Barack Obama no Twitter a 13 de
Agosto, em reacção aos confrontos e agressões de Charlottesville entre
supremacistas brancos e manifestantes anti-racismo. @BarackObama
***
O racismo não é inato, como dizia
Mandela, o que faz dele uma questão cultural. O racismo encontra, no entanto,
solo fértil nesse sentimento de intolerância com raízes biológicas, a que se
refere Eco, e que cada um de nós sente de forma primária e superficial. Há quem
explore esse medo perante o desconhecido, essa intolerância, para incutir no
outro a doutrina que proclama a superioridade racial de uns em relação aos
outros. Saber que o racismo tem raízes em reacções emocionais superficiais é
meio caminho andado para erradicá-lo. Os demagogos porém, como refere Bauman,
exploram esse medo perante o desconhecido para expandirem ideologias de ódio:
Os demagogos fundamentalistas,
integralistas, racistas e etnicamente chauvinistas podem, e precisam de, ser
acusados de alimentar uma «intolerância rudimentar» pré-existente e de com ela
lucrar, propagando, assim, as suas reverberações e exacerbado a sua morbidez –
mas não podem ser acusados de causar
o fenómeno da intolerância.
Onde procurar, então, a origem e a força
motriz desse fenómeno? Esta última, a meu ver, será o medo perante o desconhecido – de que os «estranhos» ou «forasteiros»
(por definição insuficientemente conhecidos, muito menos compreendidos, e praticamente
imprevisíveis nas suas condutas e reacções face às nossas próprias jogadas) são
o símbolo mais proeminente, o mais tangível, porque próximo e notório.
Zygmunt Bauman,
“Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017, pág. 39.
Curiosamente esse medo perante o
desconhecido também tem sido ao longo da história explorado para fins de gestação
e propagação religiosa, estando na raiz das religiões que dividem os seres
humanos em diferentes credos. O medo perante o desconhecido é hoje ainda mais dramático,
pois o contexto social e económico em que vivemos aponta no sentido da individualização do individualismo, da quebra dos laços comunitários e sociais e atomização, em que cada indivíduo se
apresenta aos olhos do outro, cada vez mais, como um elemento estranho e suspeito,
alguém que pode ou não encerrar todos os males do mundo (é uma incerteza, um
risco), como uma caixa de Pandora, ou um terrorista. E a questão torna-se ainda
mais paradoxal quando vivemos na era da omnipresença informacional. Cada vez
mais informados mas desamparados perante o desconhecido à nossa porta, na nossa
rua, ao nosso lado.
segunda-feira, agosto 14, 2017
"Trump" ad nauseam
Há quem se questione, perplexo, acerca
das razões que levaram Trump a vencer as eleições americanas. Como foi
possível? Há quem responda, mas a questão volta continuamente a ser colocada, o
que prova que as respostas nunca chegam a ser conclusivas ou cabais. A
perplexidade ainda persiste em muitos círculos de opinion makers que falam
nas cadeias noticiosas mundiais (CNN, BBC, Sky
News, etc.). Há quem considere Trump genial por conseguir ser notícia o
tempo todo. Propositadamente ou não, ele tem a capacidade de ser notícia a um
ritmo horário contínuo. O seu nome é pronunciado dezenas de vezes por hora, para
não dizer centenas, em canais noticiosos como a CNN. Experimente o leitor ligar
esse canal a qualquer sinal horário, quando vão para o ar as highlights. Era assim há um ano quando a
campanha eleitoral americana estava no auge e os pivots da CNN lhe moviam um ataque cerrado, mas também é assim
agora. O seu nome é matraqueado a todo o momento. "Trump" ad nauseam. "Trump" no prime time. Trump, a obsessão da CNN. Inadvertidamente
o canal televisivo tornou-se o maior anunciador publicitário da marca "Trump"
ainda que a maioria das notícias sobre ele não o favoreçam. Ainda assim
publicitam-no. Ironicamente aparecem depois os opinion makers no mesmo canal a questionarem-se espantados acerca
das razões que levaram Trump à vitória.
Não terá o facto de o canal
manter a marca “Trump” no ar o tempo todo exercido um efeito em muitos telespectadores
acríticos, da mesma forma que a publicidade repetitiva o faz
relativamente a uma determinada marca de um produto que se quer vender?
sexta-feira, agosto 11, 2017
Nestas férias estou a ler…
…romances de cavalaria.
Quem diria que uma pechincha (custou apenas 2€ na livraria da Europa-América) daria um tão grande prazer de leitura. O livro da Europa-América está muito bem traduzido embora tenha algumas gralhas. Trata-se, no entanto, de uma edição de 1981.
…ensaios de política e economia.
…A Segunda Guerra Mundial (a perspectiva inglesa).
sábado, julho 22, 2017
O triunfo dos algoritmos
Quanto mais os trabalhadores funcionam como apêndices das máquinas com
que trabalham, menos liberdade de manobra têm, menos importantes são as suas
competências e mais vulneráveis se tornam ao desemprego tecnológico. É isso que
explica a oposição frequentemente forte dos trabalhadores à introdução das
novas tecnologias.
David Harvey, O Enigma do Capital, Bizâncio, 2011,
pág. 112
What will happen to
the job market once artificial intelligence outperforms humans in most
cognitive tasks? What will be the political impact of a massive new class of
economically useless people? What
will happen to relationships, families and pension funds when nanotechnology
and regenerative medicine turn eighty into the new fifty? What will happen to
human society when biotechnology enables us to have designer babies, and to
open unprecedented gaps between rich and poor?
Yuval Harari,
Homo Deus: A Brief History of Tomorrow, HarperCollins, 2017
(realce nosso)
Já não nos bastavam as ameaças
das alterações climáticas, do terrorismo, da proliferação nuclear, entre
outras. De acordo com Yuval Harari, sobre todos pairará a ameaça da inutilidade
e do desemprego tecnológico. O homem enquanto trabalhador tornar-se-á obsoleto.
Cada um de nós age e pensa, diz ele, de acordo com uma espécie de algoritmo
bioquímico que será ultrapassado pelos algoritmos artificiais inteligentes que criámos. A criação ultrapassará o criador. A raça humana será
extinta pela máquina inteligente. Os futuros humanos não serão humanos, serão
outra coisa qualquer. Uma espécie de super cyborg,
de homem-máquina, quase imortal. Homo deus
em vez de Homo sapiens. Qualquer
resistência em relação às novas tecnologias, das quais estamos cada vez mais
dependentes, será inútil. Qualquer resistência fará de nós luditas do século XXI. E como sabemos os luditas não
foram capazes de travar as máquinas.
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sexta-feira, julho 21, 2017
Martin Landau morreu na semana passada
Martin Landau (1928-2017)
Martin Landau morreu na semana passada.
Partiu o lendário comandante da base lunar Alfa, do Espaço 1999, série televisiva que nos encantou nos anos 70, com as
suas águias, naves de descolagem vertical, com os seus
intercomunicadores e as suas portas automáticas que abriam com um simples toque
num telecomando, e mais muito mais. Por vezes havia monstros invasores nos
corredores da base e um ecrã gigante na sala de comando através do qual o
comandante comunicava com alienígenas e com os pilotos das águias. Brincávamos
ao Espaço 1999 nas traseiras do
prédio. Um era o comandante, mas havia enfermeiras, pilotos, médicas e
cientistas… Aprendíamos assim. Quase tudo se concretizou em 1999: temos aviões
de descolagem vertical e telemóveis, portas que abrem à nossa aproximação, ecrãs
tácteis que também nos mostram quem está a falar connosco, computadores… Mas
falta-nos uma base lunar permanente. Uma base na Lua, onde o céu é sempre
estrelado. Na Lua, onde tudo parece mais perto do cosmos.
A morte de Martin Landau não nos passou
despercebida.
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Partidas
domingo, julho 16, 2017
Notícias da sexta extinção: o gradual desaparecimento dos leões e de outros grandes mamíferos
Scientists analysed
both common and rare species and found billions of regional or local
populations have been lost. They blame human overpopulation and overconsumption
for the crisis and warn that it threatens the survival of human civilisation,
with just a short window of time in which to act.
Fonte: The Guardian, aqui
Assistimos hoje ao rápido
desaparecimento dos grandes mamíferos da superfície da Terra, entre os quais
carnívoros e predadores como o leão, noticia o The Guardian. A sua presença no planeta não se coaduna com o
crescimento demográfico do homo sapiens
sapiens e com a crescente necessidade de mais espaço que suporte as suas
infinitas necessidades.
Historicamente o leão estava presente nas regiões onde surgiu a civilização e as primeiras aglomerações urbanas, na Mesopotâmia. Foi caçado pelos assírios e foi representado pelos caçadores-recolectores daquela região, muito antes disso. Actualmente, na Ásia, está confinado a uma pequena bolsa na floresta de Gir, no noroeste da Índia.
Historicamente o leão estava presente nas regiões onde surgiu a civilização e as primeiras aglomerações urbanas, na Mesopotâmia. Foi caçado pelos assírios e foi representado pelos caçadores-recolectores daquela região, muito antes disso. Actualmente, na Ásia, está confinado a uma pequena bolsa na floresta de Gir, no noroeste da Índia.
No séc. VII a.C. o leão
era caçado pelos assírios no norte da Mesopotâmia, região que corresponde
actualmente ao norte do Iraque e sudeste da Turquia.
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Leão representado num pilar de Göbekli Tepe, presumivelmente
um centro de culto de caçadores-recolectores e um embrião dos
primeiros assentamentos urbanos, com cerca de 12 000 anos.
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Sexta Extinção
segunda-feira, julho 10, 2017
Revoluções políticas e revoluções científicas
Thomas Kuhn (1922 - 1996) |
As revoluções políticas
começam com um sentimento crescente, habitualmente restringido a um segmento da
comunidade política, de que as instituições existentes deixaram de poder
enfrentar adequadamente os problemas colocados pelo ambiente que elas próprias
em parte criaram. De modo muito semelhante, as revoluções científicas começam por um sentimento crescente, também geralmente
restringido a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que um
paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um
aspecto da natureza para o qual esse próprio paradigma tinha indicado o caminho.
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Guerra e Paz, 2009, pp.
133-134
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Thomas Kuhn
sábado, julho 08, 2017
quinta-feira, julho 06, 2017
Substancial, incidental e fatal
Como brincam com as palavras os políticos.
A coisa é muito grave,
mas releva do campo do incidental,
não do substancial. Há que
distinguir as coisas e os nossos aliados sabem distingui-las, garante o ministro Augusto Santos Silva, ou seja, trata-se de um incidente muito grave, o dos paióis,
mas não é substancial.
Contudo poderá vir a ser fatal. É aí que
reside o problema.
Um poema de O'Neill
A força do hálito
A força do hálito é como o que tem que ser.
E o que tem que ser tem muita força.
Vai (ou vem) um sujeito, abre a boca e eis que a gente,
que no fundo é sempre a mesma,
desmonta a tenda e vai halitar-se para outro lado,
que no fundo é sempre o mesmo.
Sovacos pompeando vinagres e bafios,
não são nada --bah...-- em comparação
com certos hálitos que até parece que sobem do coração.
"Ai onde transpira agora
o bom sovaco de outrora!"
Virilhas colaborando com parentesis ou cedilhas
são autênticas (e sem hálito) maravirilhas.
Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas,
amoniacal bafor que suporta sem dor
aquele que está ao rés de tal teor.
Mas o mau hálito é pior que a palavra
sobretudo se não for da tua lavra.
Da malvada, da cárie ou, meudeus, do infinito,
o mau hálito é sempre, na narina,
como o baudelaireano, desesperado grito
da "charogne" que apodrecer não queria.
Alexandre O'Neill (1969)
Mais poemas de Alexandre O'Neill, e mais, muito mais: aqui.
A força do hálito é como o que tem que ser.
E o que tem que ser tem muita força.
Vai (ou vem) um sujeito, abre a boca e eis que a gente,
que no fundo é sempre a mesma,
desmonta a tenda e vai halitar-se para outro lado,
que no fundo é sempre o mesmo.
Sovacos pompeando vinagres e bafios,
não são nada --bah...-- em comparação
com certos hálitos que até parece que sobem do coração.
"Ai onde transpira agora
o bom sovaco de outrora!"
Virilhas colaborando com parentesis ou cedilhas
são autênticas (e sem hálito) maravirilhas.
Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas,
amoniacal bafor que suporta sem dor
aquele que está ao rés de tal teor.
Mas o mau hálito é pior que a palavra
sobretudo se não for da tua lavra.
Da malvada, da cárie ou, meudeus, do infinito,
o mau hálito é sempre, na narina,
como o baudelaireano, desesperado grito
da "charogne" que apodrecer não queria.
Alexandre O'Neill (1969)
***
Mais poemas de Alexandre O'Neill, e mais, muito mais: aqui.
segunda-feira, julho 03, 2017
Foi você que pediu uma granada
Imagine que está a comer tranquilamente num restaurante e lá
para dentro rebola uma das granadas furtadas em Tancos. Não se
preocupe, pois o ministro assevera-nos que se trata apenas de uma granada ofensiva.
As defensivas são mais letais.
O ministro da Defesa ainda está sentado no seu lugar?
O Chefe do Estado-Maior do Exército ainda está sentado no
seu lugar?
O que aconteceu em Tancos é inadmissível. Não é apenas
grave, é gravíssimo.
Seria bom que as armas fossem descobertas rapidamente, não
interessa onde, antes que rebentem por aí, ou por aqui.
Outra coisa: colocar Tancos dentro do mesmo saco que
Pedrógão Grande quanto a apuramento de responsabilidades e suas consequências
políticas, como já ouvi de alguns comentadores, é pura desonestidade
intelectual. Mas enfim, a politiquice cala mais fundo e estes senhores não resistem
à tentação e à pulhice.
sábado, julho 01, 2017
Insucesso escolar e pobreza
Ora é aqui que está a questão. Deviam lembrar-se disto
os que fazem a leitura dos rankings das escolas, comparando resultados entre o
ensino privado e o ensino público, apontando baterias a este último.
Portugal, país mui católico, se atendermos ao número de
crentes, é um dos países da Europa onde as desigualdades sociais entre ricos e pobres é o mais
alargado e onde a pobreza grassa. Os doutos que apontam o dedo às escolas públicas e ao ensino que lá
se presta, baseando-se nos resultados dos exames nacionais, deviam lembrar-se desta
realidade.
Neste país mui católico parece que são precisos pobrezinhos para que haja
caridadezinha. Para isso os pobrezinhos dão muito jeitinho.
sexta-feira, junho 23, 2017
O deboche da reportagem
Não poderia deixar de estar mais de acordo com o que escreve António Guerreiro, aqui. Nem há palavras. António Guerreiro disse-as todas, bem ditas e pesadas. É o que penso sobre grande parte das reportagens da tragédia de Pedrogão Grande. Um deboche de reportagens que se converteu num regabofe ao voyeurismo boçal.
Até se arranjou um nome hollywoodesco para a estrada EN 236-1: "A Estrada da Morte".
Vivemos na sociedade do espectáculo no seu pior. (*)
Muitos jornalistas deveriam cultivar-se mais, estudar mais e cuidar das ideias. Deveriam voltar a estudar Ética nos bancos da Universidade, se é que alguma vez a estudaram, para que se respeitassem mais e nos respeitassem, que gostamos de ser e de estar informados, com qualidade.
Afinal informar também é educar. Mas como poderão os jornalistas educar se não forem bem educados? Alguns, inadvertidamente, ou talvez não, parecem conceber a informação como se de um espectáculo se tratasse e as reportagens como se fossem uma espécie de filmes de hollywood.
----------
(*) Lembrei-me de uma notícia de há muitos anos sobre a indecisão acerca de um título a colocar num novo filme do 007. Os que escolhiam o título acabaram por concluir que se as palavras "morrer" ou "matar", ou qualquer outra associada à morte, integrassem o título do filme, mais gente iria vê-lo. Era uma questão comercial. E assim lá escolheram o título: Tomorrow Never Dies ou Die Another Day (foi um destes, não posso precisar qual).
sábado, junho 17, 2017
Um súbito despertar em sobressalto
O último teste para esta projecção da Terra-mãe na totalidade mundana começou com a crise ecológica da Terra, que é, simultaneamente, a primeira crise da humanidade. Esta crise actual da mundaneidade vai mais fundo do que as que surgiram sob a pressão das religiões de redenção e da antiga apocalíptica. Porque para a humanidade actual torna-se, pela primeira vez, verdadeiramente visível na sua totalidade a sua casa comum real no momento da sua destruição. Na tentativa dos povos de mudarem para ela, descobrem-na como algo que já está inexoravelmente em vias de devastação. Esta crise da mundaneidade põe à partida em questão o poder-ser-casa da Terra e o poder habitar da humanidade.
Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo, Relógio D’Água.
2008. Pág. 218.
***
Suprema ironia. No preciso
momento em que, pela primeira vez, vislumbramos o planeta que nos acolhe, na sua
totalidade, tomamos consciência da devastação que o consome e que nos poderá
vir a consumir. É como se acordássemos subitamente, sobressaltados, numa casa
em chamas. É preciso fazer algo para nos salvarmos e salvarmos o lar “que já está inexoravelmente em vias de
devastação”.
Suprema ironia. Quando dormíamos, o nosso sono era reparador e profundo, alheio a todos os perigos. Foi preciso acordar para nos apercebermos da nossa fragilidade e dos efeitos secundários dos actos que cometíamos enquanto sonâmbulos. Agora toda a Terra é a nossa circunstância, sem a qual não há Eu que resista. Vivemos também uma crise de mundaneidade (e não só ecológica), pois só quando o Homem vislumbra a Terra na sua totalidade se apercebe da própria Humanidade que o planeta encerra. Não é apenas a Terra que é vislumbrada na sua totalidade, mas também a Ecúmena.
Suprema ironia. Quando dormíamos, o nosso sono era reparador e profundo, alheio a todos os perigos. Foi preciso acordar para nos apercebermos da nossa fragilidade e dos efeitos secundários dos actos que cometíamos enquanto sonâmbulos. Agora toda a Terra é a nossa circunstância, sem a qual não há Eu que resista. Vivemos também uma crise de mundaneidade (e não só ecológica), pois só quando o Homem vislumbra a Terra na sua totalidade se apercebe da própria Humanidade que o planeta encerra. Não é apenas a Terra que é vislumbrada na sua totalidade, mas também a Ecúmena.
Poderíamos colocar aqui algumas objecções
ao parágrafo do Sloterdijk: quão inexorável é esse processo de devastação? “Inexorável”
é uma palavra forte, em rota de colisão com a nossa civilização que teima em resistir
e em confrontar tudo quanto é desafio, em particular os desafios que ameaçam a sua
própria existência. Será assim tão inexorável a devastação ao ponto de ser
irreversível? Logo agora que tomámos consciência da devastação, é tarde demais
para agir? Neste momento em que acordámos, vamos já assumir que o planeta “está inexoravelmente em vias de devastação”?
Ou estaremos negação, não querendo assumir a inexorabilidade de um apocalipse?
Só um deus pode salvar-nos, disse
um filósofo do pessimismo. Pessimismo ou realismo?
A última frase do parágrafo é
muito questionável num dos seus termos: não é “o poder-ser-casa” da Terra que
está em questão. A Terra já deu provas do seu “poder-ser-casa”. O que está em
causa é o poder habitar da Humanidade.
O que está em causa é o habitante e não a casa. A casa, para dizer a verdade,
já teve outros habitantes, noutras circunstâncias.
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Filosofia,
Peter Sloterdijk
quarta-feira, junho 14, 2017
O "charuto" vertical
Hoje as câmaras do mundo
estiveram focadas num prédio londrino de 24 andares que ardeu por completo,
como um charuto vertical.
***
O urbanismo associado a concepções
de alojamento massivo de população desfavorecida em altos edifícios
residenciais, há muito que deu mostras de ser um urbanismo falhado que não
se adequa à vida de uma cidade que se quer relacional. Os mais pobres são alojados e arrumados em pombais humanos, onde os riscos se
acumulam com o passar do tempo – e às vezes nem é preciso muito tempo – até redundarem
em catástrofes. No Reino Unido já era clássico o caso do colapso de Ronan Point,
Caning Town, no Borough de Newham em Londres, em 1968, causado por uma explosão num fogão a gás (tinham passado apenas
dois meses após a chegada dos primeiros moradores). A tragédia de hoje
ultrapassa, de longe, a do colapso de Ronan Point.
terça-feira, junho 13, 2017
That 2,000 Yard Stare
Tom Lea, That 2,000 Yard Stare, 1944.
Daqui.
***
***
Adeus gloriosa guerra
Jamais gloriosa
Vitoriosa guerra
Jamais vitoriosa
A senda que à guerra conduz
À derrota conduz
(A guerra é sempre uma derrota)
(A guerra é sempre uma derrota)
sábado, junho 10, 2017
Da literatura e da arte que perverte, degrada e brutaliza
«Se é verdade que a literatura e a arte de qualidade podem educar a sensibilidade,
engrandecer as nossas percepções, refinar o nosso discernimento moral, pelo
mesmo raciocínio poderão também perverter, degradar e brutalizar a nossa imaginação
e os nossos impulsos miméticos.»
George
Steiner, “Homem Gato” in George Steiner
em The New Yorker, Gradiva, 2010, pág. 265.
As palavras são importantes, para
o bem e para o mal. A literatura e a arte também podem ser uma droga potente. Assim
se explicam alguns dos seus efeitos nefastos sobre a nossa “imaginação e os
nossos impulsos miméticos”. A citação de George Steiner enquadra-se num breve texto
que escreveu sobre a obra de um escritor considerado maldito: Céline. Mas quanta
literatura e arte (e a literatura é uma das artes) não existem por aí com esse
efeito, embora se possa questionar a sua qualidade e até a sua categoria enquanto
obra artística. (É isto literatura?) Livros que incendeiam as almas e o
mundo, e que sem eles o mundo decerto seria um lugar bem melhor, sem ideologias
e religiões incendiárias, e, consequentemente, sem tanto sofrimento. Mas para “educar a
sensibilidade” e “engrandecer as nossas percepções” há um preço a pagar.
***
Também poderíamos dizer em nota
de rodapé que não existem religiões nem ideologias incendiárias, o que existem
são incendiários inspirados por religiões e ideologias.
sexta-feira, junho 09, 2017
Da lei inelutável da história
«Permanece uma lei inelutável da história não dar aos contemporâneos a
possibilidade de reconhecer, logo desde os primeiros alvores, os grandes
movimentos que marcam o período em que vivem.»
Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu,
Assírio & Alvim, 2005, pág. 392
“E também não gosto…” Nietzsche não era anti-semita e por certo não gostaria de nazis
«Mas não gosto de todos esses pequenos percevejos, cuja ambição insaciável
é a de libertar o cheiro infinito, até o infinito acabar por cheirar a
percevejos; não gosto de túmulos redecorados que imitam a vida; não gosto dos
homens cansados e gastos que se embrulham em sabedoria e têm uma visão «objectiva»;
não gosto de agitadores que se vestem de heróis e disfarçam a velha cabeça de
alho chocho com um boné mágico de ideias; não gosto de artistas ambiciosos que
aspiram representar o ascético e o sacerdote e que, no fundo não passam de
palhaços trágicos; e também não gosto
desses especuladores mais recentes no idealismo, os anti-semitas que, a rolar
os olhos num estilo cristão-ariano-filisteu, procuram despertar todos os
elementos bovinos do povo através de um abuso exasperante dos meios mais vis de
agitação e atitudes morais (que todo o tipo de fraude intelectual alcança
algum grau de sucesso na Alemanha de hoje está relacionado com a estultificação
inegável e já tangível da mente alemã, cuja causa procuro numa dieta
extremamente exclusiva de jornais, políticas, cerveja e música wagneriana,
incluindo o que esta dieta pressupõe: em primeiro lugar a constrição e vaidade
características da nação, o princípio forte mais limitado de «Deutschland, Deutschland
über alles», bem como a paralysis agitans das ideias modernas»).»
Friedrich Nietzsche, A Genealogia da Moral, Publicações
Europa-América, 2002, pág. 134 (livro de bolso) (o destaque a negrito é nosso)
***
Que eram eles, esses nazis, senão
“pequenos percevejos” que empestavam o mundo, querendo que o mundo cheirasse
como eles. Não foi a sua ideologia um “túmulo redecorado de vida”? Não eram eles
“agitadores vestidos de heróis” nas suas fardas e botas cardadas? Palhaços
trágicos! Anti-semitas que despertaram os “elementos bovinos” do povo alemão, “através
do abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais”. Eis os
homenzinhos das SS, nas suas
primeiras “acções de combate”, quando saltavam dos seus camiõezinhos ao som de
apitos e se punham a dar cacetadas nos sociais-democratas, como nos narra Stefan
Zweig:
«Certo dia, quatro camiões chegaram de repente a grande velocidade a uma
localidade fronteiriça onde se estava a realizar um comício pacífico dos
social-democratas; cada camião vinha apinhado de jovens nacional-socialistas
empunhando cacetes de borracha, e tal como me tinha sido dado ver, na Praça de
São Marcos em Veneza, também estes aqui surpreenderam, pela sua rapidez, todos
os presentes que foram apanhados desprevenidos. Tratou-se exactamente do mesmo
método copiado dos fascistas, só que aprendido com férrea precisão militar e sistematicamente
organizado até ao último pormenor, à maneira alemã. A um assobio, os homens das
SS saltaram dos veículos à velocidade de um raio, bateram com os seus cacetes
de borracha em quem lhes aparecia pela frente e, antes que a polícia pudesse
intervir, ou os trabalhadores pudessem juntar-se, já eles tinham voltado a
saltar para dentro dos camiões que partiram à desfilada.»
Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim,
2005, pág. 394
***
Não, Nietzsche não era
anti-semita, e por certo abominaria nazis. Parece tê-los cheirado com
muitos anos de antecedência, muito antes dos contemporâneos daqueles se terem
apercebido do que aí vinha.
quinta-feira, junho 08, 2017
Ironias da História
No século XVI os escravos negros
eram desembarcados em Lisboa em condições desumanas. Depois de serem capturados nas selvas e traficados
nos portos de África eram forçados a embarcar como animais selvagens. Chegavam “em condições terríveis «empilhados nos
porões dos navios, vinte e cinco, trinta ou quarenta de cada vez, mal
alimentados, acorrentados uns em cima dos outros». Modas luxuosas e loucas
contaminavam a cidade: tornou-se comum ter um escravo negro em casa.” (Crowley,
2016, pág. 318). Nessa Era em que se dava início ao que viria a chamar-se
comércio triangular, através do Atlântico, – armas por escravos e escravos por
algodão, café ou açúcar – o Ocidente arrancava os negros do continente africano,
com a colaboração de outros africanos, e arrastava-os para Europa e depois,
mais tarde, directamente para as fazendas e plantações das Américas.
Hoje, volvidos cerca de 500 anos,
ironia da História, são os negros que partem, expelidos pelo continente
infernal, enfrentando todos os perigos da travessia dos desertos africanos e do
Mar Mediterrâneo, também em condições desumanas, colocando em risco a própria
vida e entregam-se nos braços do Ocidente, de livre vontade, prontos a abraçar
qualquer trabalho mal pago, qualquer trabalho escravo, qualquer trabalho nas
quintas da Europa, algumas exploradas por gente mafiosa e sem escrúpulos, quase
como noutros tempos.
***
Fogem de outras guerras. O
inferno é algures em África e o Diabo só pode morar ali. Só assim se explica a
debandada dos africanos. Não são escravos, dirão, são homens. Contudo, o que
dizer sobre o que se passa na Líbia em relação aos que chegam das terras a sul
do Sara?
Vede Aqui!
Se não é escravatura, então o que
é?
***
Referência:
Crowley, Roger; Conquistadores,
Como Portugal Criou o Primeiro Império Global, Editorial Presença, 2016,
pág. 318.
quarta-feira, junho 07, 2017
Sobre bombas e cacetadas
Thomas Friedman |
Thomas Friedman deve ser mesmo um bom opinion maker, pois muitos são os seus artigos de opinião no New York Times que ficam na memória ou na retina de quem os lê, e após uma só leitura. Um artigo que retive foi o das "nossas três bombas". De acordo com Thomas Friedman são três as bombas que a qualquer momento podem deflagrar e desestabilizar a nossa realidade: a bomba nuclear, a bomba da dívida e a bomba climática. O artigo é este: “Our Three Bombs”, New York Times, 7/10/2009
Desde que li o artigo em 2009, as bombas de Friedman nunca mais me saíram da cabeça. Inspirado por ele, reformulo
aqui a lista de "bombas" que nos ameaçam, e são mais do que três, embora algumas, em parte, se
possam sobrepor .
Em primeiro lugar as três bombas de Friedman:
1. A bomba da ameaça nuclear (a Guerra Fria terminou mas as
bombas ainda existem assim como a ameaça da proliferação nuclear).
2. A bomba da dívida (uma bomba com repercussões económicas e financeiras, também ela devastadora de vidas).
3. A bomba climática (desencadeada pelo incremento do
efeito de estufa com todas as suas consequências).
Às bombas de Friedman acrescento as seguintes (com algum risco de sobreposição parcial):
4.
A bomba demográfica (o crescimento demográfico
no mundo é explosivo, acompanhado por uma crescente produção, consumo e pressão
sobre os recursos naturais que são limitados face às ilimitadas necessidades
humanas);
5.
A bomba ambiental (estamos a atravessar a 6ª
extinção em massa, e não foi causada por um meteorito que colidiu com a
Terra, a não ser que chamemos ao ser humano um “meteorito”. Bem vindos ao Antropoceno.);
6. E a bomba terrorista (eles andam aí).
As consequências destas bombas podem ser devastadoras. Aliás já estão a sê-lo para muitos.
A estas bombas acrescentaria a
bomba mais ameaçadora de todas: aquela que ninguém espera e que por isso não
pode ser nomeada por ser uma bomba desconhecida. Não tenhamos a ilusão de que somos conhecedores de todas as
ameaças que pairam sobre as nossas cabeças. A realidade cósmica pode surpreender-nos
com uma verdade inesperada e, dessa forma, ameaçar a nossa existência. Como disse
George Steiner uma vez e que já aqui foi citado:
Tenho uma certa imagem
mental da verdade emboscada ao virar da esquina, à espera de que o homem se
aproxime – e a preparar-se para lhe dar uma cacetada na cabeça.
George Steiner,
Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003. Pág. 80 e 81
Entretanto, carpe diem.
Baixem lá essa bosta, pá!
Quereis um desígnio? Baixem-na! Baixem a dívida pública! Libertem as futuras gerações desse fardo. A dívida pública excessiva será uma amarra que não as deixará navegar.
É certo que cresceu com a crise económica após 2009, pela integração de dívida privada, do crédito mal-parado e dos bancos resgatados pelos contribuintes. Grandes (alguns na verdade eram pequenos e foram tratados como grandes) demais para falirem.
Mas não nos deixemos iludir pelos que se ufanam de tão bons tempos que vivemos (dizem eles), do reduzido défice (o menor de sempre, dizem), da redução do desemprego (é bom ouvir) e do incipiente crescimento económico que o país manifesta agora, em grande parte, devido ao turismo e às actividades no seu entorno.
Gostaria de ouvir os políticos, lá do alto dos seus palanques, perorarem sobre a dívida pública com o mesmo entusiasmo com que discursam acerca da redução do défice e do crescimento económico. Mas não é lá muito conveniente, pois não?!
Enquanto uma dívida pública desta magnitude perdurar não estaremos seguros, nem nós, nem os nossos filhos, nem os nosso netos. Eles é que vão pagar. Teremos então gerações de escravos.
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