Escrevo da invicta, mui industriosa e livre cidade do Porto.
Lisboa fede. Alguns dirão que fede porque há luta. Ainda assim fede, a filha da
puta.
Agora ide a correr dizer que enlouqueci.
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Ao gerirem os nossos destinos por
curtíssimos horizontes temporais, os “governantes” abdicaram do sonho utópico,
para eles sempre utópico, sem lugar neste mundo, de um dia as comunidades que “regem”
se libertarem dos fardos quotidianos que as oprimem – essa era a busca pela verdadeira
liberdade e civilização! Movem-se agora por curtos ciclos eleitorais e
curtíssimos ciclos financeiros – as cotações nos mercados internacionais, os ratings, e, entre outras, as taxas de
juro da dívida pública a 10 anos, mais precisamente, e agora em inglês técnico,
“The Portuguese Government Bonds 10YR Note”, que pode ser vista aqui (e que no momento se encontram em tendência decrescente, em torno dos 6%, daí a
temporária euforia de alguns), oscilando diariamente, ora para cima, ora para
baixo, como uma espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças, e é só isto que lhes
interessa, porque ironicamente, no longo prazo, estaremos todos mortos. Para
cúmulo, é para eles agora o curtíssimo prazo que importa, e por isso não admira
que alguns destes iluminados tenham querido difundir a ideia de que a história não
importa e pouco influi na progressão das sociedades pós-modernas e nos nossos
destinos. Assim, uma nação com mais de 800 anos de história é vendida a retalho
no mercado internacional por meia pataca. Os traidores estão entre nós, sempre
estiveram, que gente a defenestrar sempre houve.
Soares acabou com a Marinha Mercante, Cavaco acabou com
grande parte da frota de pesca nacional, Passos acaba com os estaleiros de Viana
do Castelo e agora a Marinha de Guerra está sem Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA).
Após visionar uma reportagem na RTP 1 sobre o estado de degradação a que a Escola Secundária da Anadia chegou (e esta escola não é a única escola pública nesta situação degradada - há muitas Anadias por aí), uma
palavra ecoou na minha cabeça: “delinquentes!” (isso mesmo, a proferida por Soares). Tem razão Soares: somos governados por um bando de delinquentes e
presididos pelo chefe da quadrilha. Soares esquece porém que o caminho para a
chegada desta gente à governação do país foi preparado por aquela “terceira via” "socialista" e socrática, comprometida com o neoliberalismo, pioneira na
organização das escolas por agrupamentos, o que virá a facilitar o posterior passo
no sentido da privatização das escolas; a mesma via que precarizou o vínculo dos funcionários
públicos ao Estado, tornando-os, a maioria, em “contratados de trabalho por tempo indeterminado”, rebaixando
o estatuto social dos professores, a meros “ocupadores” de alunos – passavam a tratar
da famosa ocupação plena dos tempos livres, quando o seu papel não é,
meramente, ocupar alunos, mas sim ensinar saberes relevantes, divulgar cultura, ciência, arte e
desporto; congelou-lhes as carreiras; deixou de lhes pagar pela correção de exames, ao contrário do que se faz nos outros países; transferiu custos para muitos professores ao fazer com que tivessem de circular entre várias escolas de um mesmo agrupamento. Em curtas palavras, o ministério educativo de Sócrates tentou
arrastar os professores para a lama. Tentou, debalde, rebaixá-los socialmente.
Não conseguiu porque eles lutaram, e bem, e a maioria dos portugueses os tem em
grande consideração.
Enquanto isso, na América
trava-se uma batalha épica, uma espécie de contra-ofensiva desesperada, uma “Batalha
das Ardenas” contra a vaga neoliberal que tudo invade. Obama, contra a corrente
principal que se faz sentir no mundo, e também em Portugal, que visa a desagregação
do Estado Providência, tenta impor o ObamaCare,
e, dessa forma, democratizar o sistema de saúde Norte-americano, abrindo a
prestação de cuidados de saúde aos que no actual sistema se veem privados
desses cuidados, em suma, aos mais pobres e classes médias endividadas, aos que não têm dinheiro
para pagar às poderosas seguradoras pelos tratamentos necessários.
«Assim, como atrás referi, as duas mais importantes promessas da
modernidade ainda por cumprir são, por um lado, a resolução dos problemas da
distribuição (ou seja, das desigualdades que deixam largos estratos da
população aquém da possibilidade de uma vida decente ou sequer da
sobrevivência); por outro lado, a democratização política do sistema político
democrático (ou seja, a incorporação tanto quanto possível autónoma das classes
populares no sistema político, o que implica a erradicação do clientelismo, do
personalismo, da corrupção e, em geral, da apropriação privatística da actuação
do Estado por parte de grupos sociais ou até por parte dos próprios
funcionários do Estado).»
No programa da Antena 2, Quinta Essência, de João Almeida, o
historiador João Gouveia Monteiro, com grande vivacidade e detalhe, conseguiu
fazer com que este ouvinte presenciasse, em directo, a Batalha de Gaugamela, que
opôs o exército de Alexandre Magno da Macedónia ao de Dário III da Pérsia, em
331 a. C.
“Os países são feitos de pessoas,
e eu acredito que a maioria das pessoas é feita bem. É feita de valores
universais, que permitem a qualquer viajante sentir-se em casa quando se sente
rodeado desses valores. O sorriso, a solidariedade, o bom-senso, a alegria, a
música e a amizade valem mais que a corrupção, a desonestidade, o ódio, os
preconceitos raciais, os estereótipos sociais. Viajarei com o primeiro grupo de
valores na bagagem, para trocá-los por outros iguais ao longo da viagem. E como
não os quero só para mim, depois de trocá-los, irei partilhar tudo.”
Lido o longo livro de Nuno
Rogeiro, 652 páginas (!), há ideias e pontos de vista com as quais concordamos
e outros acerca dos quais discordamos. Mas nem poderia ser doutra forma quando
se realiza uma leitura crítica. Para dizer a verdade, embora não sendo uma
bíblia, são vários livros num, pois o autor deambula por vários temas com toda
a liberdade, indisciplinadamente, e a seu contento, aprofundando mais aqui e
menos ali, o que dá um certo desequilíbrio aos subcapítulos – por exemplo, só
às questões que se prendem com a política de defesa, questões militares e geopolítica,
são dedicadas 108 páginas integradas num capítulo reservado a políticas
sectoriais de 181 páginas (em suma, a Defesa ocupa 60% das páginas desse
capítulo). Mas Nuno Rogeiro escreve sobre aquilo de que gosta e fá-lo de forma
fundamentada, como se pode atestar pelas inúmeras referências a que recorre,
indicadas em rodapé. Escreve com grande erudição, existindo muitas outras
referências implícitas no texto, para além das que indica em rodapé – por
exemplo, Céline[1],
Jean-Paul Sartre[2], Hayek[3],
são citados, entre muitos outros, se o leitor estiver atento.
«Considero este enfraquecimento dos indivíduos [o enfraquecimento da consciência social] como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.